WWE despede mais de 20 atletas depois de wrestling ser declarado “essencial” na Flórida

A promotora de wrestling voltou a fazer espectáculos ao vivo na segunda-feira. Dois dias depois, rescindiu com mais de duas dezenas de funcionários e as ligações com a Casa Branca preocupam os fãs.

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O búlgaro Rusev foi um dos atletas despedidos pela gigante do wrestling FAISAL AL NASSER/REUTERS

A World Wrestling Entertainment (WWE), a maior promotora de wrestling do mundo, despediu na noite de quarta-feira 26 funcionários e colocou 13 outros em layoff, numa tentativa de colmatar o impacto financeiro da pandemia. A medida surgiu de forma surpreendente e tem sido muito criticada, especialmente depois de a empresa ter recebido permissão para voltar aos espectáculos, na Flórida.

Os anúncios dos despedimentos foram surgindo no Twitter, através dos próprios atletas. Dos 26 despedidos, 24 são wrestlers. Nas redes sociais, fãs e promotores teceram duras críticas ao tratamento que a WWE tem dado aos seus atletas: não têm seguro de saúde, pagam as próprias deslocações e são considerados “trabalhadores independentes”, apesar de não poderem trabalhar para outras empresas.

Alguns wrestlers despedidos tinham-se deslocado na segunda-feira de propósito a Orlando, na Flórida, para participar no evento televisivo semanal “Monday Night Raw”, apenas para serem informados, dois dias depois, de que deixariam de fazer parte da empresa.

A mensagem mais forte e mais partilhada partiu do wrestler Drake Maverick, um britânico que se juntou ao circuito em 2017. Em lágrimas, levantou preocupações sobre o futuro imediato e, aos 37 anos, colocou a hipótese de se reformar em cima da mesa.

Outros despedidos incluem o árbitro Mike Chioda, que fazia parte da WWE desde 1989, e Maria Kanellis, que teve uma criança há apenas nove semanas.

Antes de os despedimentos em causa serem conhecidos, as medidas tinham sido anunciadas pelo CEO da WWE, Vince McMahon, num comunicado no site do organismo. Foi revelado que, entre rescisões de contrato e layoffs, seriam poupados quatro milhões de dólares em salários. Como medidas adicionais, serão também reduzidos os salários de membros da administração e as obras de construção da nova sede ficarão suspensas durante seis meses.

A cronologia de um “serviço essencial”

Quando pensamos em serviços essenciais, pensamos imediatamente em supermercados, farmácias, fornecimento de água, luz ou gás. Não em wrestling, por muito entretenimento que possa trazer. Mas foi assim que o estado da Flórida e o seu governador rotularam esta actividade.

A partir do dia 13 de Março, a WWE começou a fazer os seus espectáculos sem público, no seu centro de treinos em Orlando, na Flórida. A ideia seria gravar o máximo de episódios possível até todas as variantes de entretenimento serem obrigadas a parar devido à crescente propagação do coronavírus nos Estados Unidos.

E assim foi. Até ao dia 10 de Abril, todos os eventos foram gravados, sem público, num centro de treinos. O grande espectáculo anual, a Wrestlemania, que se realizaria num estádio com dezenas de milhares de pessoas (como é tradição), foi gravado e apresentado ao longo de duas noites. O único “público” presente foi o staff de apoio.

Mas as coisas mudaram completamente em Abril. Contrariando as suas próprias indicações, anunciadas no dia 3, o governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, declarou numa nota publicada no dia 9 que actividades com “funcionários de empresas de desporto e produção de media com audiência nacional” seriam consideradas “serviços essenciais” e poderiam realizar eventos, desde que o local estivesse “fechado ao público.”

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Pela primeira vez, o maior evento do calendário do wrestling realizou-se à porta fechada, no centro de performance na Flórida, no estado onde a WWE realiza alguns dos seus programas como o "NXT" SCOTT AUDETTE/REUTERS

Esta terça-feira, DeSantis justificou a decisão, apontando que “o público está com fome de conteúdo” e a WWE, assim como outros desportos, poderiam entreter as pessoas neste período.

Inicialmente, o wrestling não estava incluído nos ditos “serviços essenciais”. O mayor de Orange County, Jerry Demmings, disse que a decisão de incluir o wrestling neste pacote surgiu depois de uma reunião com o CEO da WWE, Vince McMahon. “Em conversas com o governador, este foi considerado um negócio essencial. Assim, foi permitido que continuasse aberto.”

A medida foi considerada por muitos fãs e jornalistas como suspeita, especialmente depois de a WWE ter confirmado um caso positivo por coronavírus no seu staff e de alguns agentes da polícia terem tentado parar as gravações no centro de treinos.

Mas a ordem do governador manteve-se e, no dia seguinte, a WWE anunciou que retomaria as transmissões televisivas em directo, sem público. De notar que, por semana, este promotor apresenta um total de sete horas de conteúdo em directo, distribuídas por três dias, sendo que cada emissão obriga à concentração no mesmo recinto de wrestlers, apresentadores, comentadores, operadores de televisão e staff.

As ligações com Donald Trump

Outra crítica que tem sido apontada na sequência da decisão de despedir duas dezenas de pessoas é o timing. E é sobre a intervenção da mulher do CEO da WWE, Linda McMahon, que recai a maior parte dos olhares.

Linda McMahon foi administradora de pequenos negócios da administração Trump entre 2017 e 2019 e preside ao Super PAC “America First Action” (Acção América Primeiro), apoiante de Donald Trump. Um Super PAC é, segundo o dicionário Merriam-Webster, um comité de acção político que pode receber doações ilimitadas para poder financiar campanhas políticas, investindo em anúncios publicitários pelo país inteiro. Não pode doar dinheiro directamente, mas pode apoiar de forma ilimitada a campanha.

No mesmo dia em que a WWE foi considerada “serviço essencial” pelo governador Ron DeSantis, um fervoroso apoiante do Presidente Trump, o Super PAC de Linda McMahon, anunciou que investiria 18,5 milhões de dólares em conteúdos pró-Trump na Flórida.

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Linda McMahon fez parte da administração Trump durante dois anos, antes de passar a fazer parte da campanha para a reeleição do Presidente JOSHUA ROBERTS/REUTERS

E Trump apoiou na terça-feira a medida de deixar a WWE fazer eventos em directo, elogiando o “grande” Vince McMahon e Ron DeSantis, antes de argumentar que estava “farto de ver jogos de beisebol com 14 anos.”

Não é segredo que a WWE tem ligações com o Presidente dos Estados Unidos e nenhuma das partes faz qualquer tipo de esforço para as esconder. Desde 1988 que Donald Trump aparece nos conteúdos da WWE, deixando que eventos sejam realizados nos seus hotéis e marcando presença em Wrestlemanias. Em 2013, teve mesmo direito a integrar o Corredor da Fama do evento.

As ligações entre os McMahon e Trump não terminam aqui. Como foi dito anteriormente, Linda fez parte do Governo durante dois anos e Vince foi nomeado como um dos conselheiros económicos do Presidente, mesmo depois de o seu investimento numa liga de futebol americano, que serviria como alternativa à gigante NFL, ter resultado em falência.

Em 2017, num documento apresentado às finanças, a WWE revelou que a fundação Trump era o maior doador da empresa.

O timing dos despedimentos, numa altura em que anúncios televisivos pró-Trump poderão passar na Flórida entre intervalos dos eventos em directo da WWE, não foi o melhor para acalmar os ânimos. Não ajudam também a travar esta controvérsia os negócios no valor de centenas de milhões de euros com o reino da Arábia Saudita e os relatos da rádio Wrestling Observer de que estas rescisões servem apenas para apresentar bons resultados aos accionistas.

As próprias acções do governador da Flórida levantam suspeitas. Segundo a revista Forbes, o palco da Wrestlemania em 2022 ainda não foi escolhido e a cidade de Tampa, na Flórida, é uma das principais candidatas a receber o evento. Além disso, a decisão de DeSantis salva a WWE de perder cerca de 400 milhões de euros em contratos televisivos.

A Wrestlemania deste ano não só iria reunir cerca de 80 mil pessoas de todo o mundo no estádio Raymond James, em Tampa, como durante a semana em torno do evento a cidade acolhe dezenas de outros espectáculos sobre wrestling. O Estado tinha, por isso, expectativas de fazer um encaixe financeiro avultado graças ao impacto indirecto no comércio e no alojamento local.

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Em 2018, a WWE assinou um contrato de dez anos com a Arábia Saudita, que inclui dois espectáculos por ano STRINGER/REUTERS
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