Heróis e vilões

Não há dúvida que a espécie humana é capaz do melhor e do pior. Prevalecer o melhor, infelizmente, não me parece.

O ser humano não foi feito para viver confinado e, em muitos casos, na mais absoluta solidão. Não é que já não existissem, infelizmente, casos de solidão e abandono.

Mas imposta uma obrigação colectiva, infelizmente necessária em estado de emergência, é inevitável que na sociedade se verifiquem casos consequentes de tal situação: uns para o bem e outros para o mal. Revelam-se problemas psicológicos, intolerância, crescem os casos de violência doméstica, de burlas, para só falar de alguns exemplos.

Os rendimentos das famílias descem assustadoramente, basta pensar no lay-off, nos trabalhadores que ficaram sem emprego, nos trabalhadores independentes, em que o recurso ao teletrabalho não é possível ou pelo menos, não sendo impossível, é muito difícil, dada a natureza do mesmo, tal como as microempresas, com um ou dois empregados sem qualquer apoio. Fábricas e serviços encerram.

O número de casos de infecção e doença entre algumas minorias aumentou (pense-se, por exemplo, na comunidade cigana de Moura), o que me preocupa pela onda de intolerância que pode causar, com outras intolerâncias várias que importa estancar. É olhar para a História, para pestes e pandemias várias, em que tantas minorias foram sacrificadas numa irracionalidade brutal.

Enfim, problemas sociais e económicos que nos vão transportar para uma era de empobrecimento e intolerância generalizados. E não vale a pena pensar que a Europa será o porto seguro. Como se tem demonstrado, não é.

Bem esteve António Costa ao dizer o que disse sobre a posição da Holanda, no que toca à solidariedade dentro do espaço europeu. Já quanto a dados e recomendações à população, não podemos dizer o mesmo. Mas lá que a gestão política tem estado muito bem, tem.

No meio deste total quadro negro, de recessão certa, há um lado humano que não pode e não deve ser esquecido e tem de ser enaltecido.

Médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar, técnicos, administrativos, pessoal de limpeza, que trabalham sem cessar e com escassos meios para nos salvar em cada uma das unidades de saúde, são Heróis. Tal como os trabalhadores que nos assistem nas farmácias. Importa referir ainda todos aqueles que nos abastecem de víveres, seja em supermercados, seja em pequenas lojas ou estabelecimentos análogos. São Heróis.

Voluntários e funcionários das autarquias, que distribuem alimentação a quem, por razões económicas, por doença ou abandono, não a pode adquirir. São Heróis.

As forças de segurança, os bombeiros e tantos outros que ajudam quem precisa, no mais perfeito anonimato, são Heróis.

A desobediência de quem viola regras que põem em causa a saúde e a vida de terceiros é criminosa, ou no mínimo revela um tremendo egoísmo e ignorância, contribuindo para o agravamento da nossa vida colectiva, cuja “normalidade” não será mesmo nada fácil de repor, se é que será possível repor a normalidade que conhecíamos.

Estes são vilões, como vilões são os que açambarcam, os que especulam, designadamente, bens tão necessários nos dias que correm, e praticam uma cultura de egoísmo e desprezo.

Não podemos dormir, como não dormem tantos heróis deste nosso triste confinamento.

Como de costume, volto ao Estrangeiro e à Peste de Camus, em todos os sentidos, sociológico e político.

Não há dúvida que a espécie humana é capaz do melhor e do pior. Prevalecer o melhor, infelizmente, não me parece.

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