Morreu a Caixa, viva a Previdência

Os advogados serão hoje a única classe profissional sem medidas de proteção em vigor. Pelo menos os treze mil que prestam apoio judiciário estão hoje tecnicamente desempregados.

Nunca foi nem fácil nem cómodo declarar a morte de um corpo orgânico como é o caso da Caixa de Previdência dos Advogados e dos Solicitadores (CPAS). Contudo, no relatório diário da Direção Geral da Saúde de hoje deverá constar a morte da CPAS por covid-19.

O corona da insensatez atingiu a Direção da CPAS. A par disso, os advogados serão hoje a única classe profissional sem medidas de proteção em vigor. Pelo menos os treze mil que prestam apoio judiciário estão hoje tecnicamente desempregados.

Claro que a infeção pelo SARS-Cov-19 foi apenas um catalisador, porque quem matou hoje a CPAS foram outros três vírus.

O primeiro, lá mais atrás, foi a cegueira política dos bastonários da Ordem dos Advogados, pelo menos desde os anos 90. Sobretudo os três últimos bastonários, por completa inação e teimosia em desejar manter vivo um fundo privado criado nos anos 40 hoje obsoleto que só é Caixa de pensões para alguns e Previdência para ninguém. Houve por aí uns remendos, mas a panela está irremediavelmente rota.

O segundo vírus foi a teimosia de uma certa advocacia politica e publicamente influente, para quem a entrada maciça de novos advogados seria um mal compensatório. O mal resultava da torrente que inundou o chamado mercado e daí os sucessivos entraves ao ingresso na profissão. Significava ainda uma oportunidade compensatória por serem esses milhares de novos advogados, obrigados a inscrever-se na CPAS e a descontar, que alimentariam os cofres da CPAS para esta poder pagar as chorudas reformas daqueles advogados que prevaleceram do sistema anterior para aumentar em muitos milhares de euros a sua exclusiva providência na velhice.

Acontece, contudo, que milhares de advogados que entraram no sistema Ordem/CPAS, mas não só esses, estão desde há algum tempo, e sobretudo hoje, impedidos de poder satisfazer o pagamento das contribuições para a CPAS. Se já assim era lá atrás, a pandemia veio agora dar-lhes o golpe fatal nas contas familiares. Está mesmo a ver-se, com ou sem ameaças diretas ou veladas da CPAS, que as falhas de pagamento se irão desmultiplicar.

O terceiro fator viral, atual, decorre da grosseira teimosia posta em marcha pela Direção da CPAS, minoritariamente eleita por uma maioria de votos brancos e nulos. Esta Direção, cega ao sinal eleitoral, deu o golpe fatal na CPAS e assinou-lhe a certidão de óbito, pela omissão de ajuda, pela persistente teimosia em nada fazer para aliviar as dificuldades de quem já não pode pagar, mantendo a pressão sobre os pagantes para manter um fundo de pensões privativo que está falido e já não responde à proteção social da esmagadora maioria dos advogados. A indecência foi ao ponto de a CPAS vir propor ao Governo um projeto de decreto-lei sobre matéria sua, demitindo-se da própria competência para suspender o pagamento das contribuições que o Governo, por decreto-lei, já lhe havia facilitado.

A inação da CPAS ao teimar em nada fazer para aliviar a pressão de quem já paga revelou uma tão escandalosa insensibilidade social que só provocou o imparável caudal de censura e o descrédito irreparável a que sujeitou a CPAS, matando-a.

Os advogados precisam de uma previdência integral e por isso tornou-se incomportável obrigar milhares de advogados a pagar para algo que não lhes devolve nada. Agora, numa hora de aperto, a Direção da CPAS, perante o terramoto social instalado, meteu-se de quarentena. Quantos advogados perderam a pouca confiança que já tinham na CPAS? Esses, agora, de pagantes violentados, vão passar a devedores voluntários, mas aliviados.

A solução previdencial e assistencial para os advogados passa por um debate sério e descomprometido sobre o futuro da CPAS, envolvendo toda a classe, com a convocação de um referendo interno esclarecido. Haja coragem para o promover, como já foi proposto na última campanha para a Ordem. E se a decisão vier a ser a integração na Segurança Social, pois que se negoceie. Com esta Direção da CPAS é que não vamos lá.

Quando os de baixo já não aguentam e os de cima já não podem, as coisas acontecem e mudam. Aqui os de baixo já não podem aguentar mais, e os de cima, impantes, já não podem exigir mais. Que se demita a Direção da CPAS e convoque eleições.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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