Para onde quer a Europa ir?

A mutualização da dívida dos países da zona euro é uma das melhores saídas para o relançamento da economia, diminuição do desemprego e da pobreza.

Para além dos tremendos efeitos psicológicos e de mortalidade que esta terrível pandemia está a provocar, ainda vamos ter que suportar grandes e penosos efeitos económicos, que neste momento não se conseguem quantificar.

Diversas instituições têm procurado antecipar em termos de PIB os efeitos da pandemia, mas as diferenças entre os cenários mais pessimistas e os menos pessimistas são tão amplas, que apenas servem para lançar confusões e incertezas cada vez maiores, pois como se sabe o PIB depende muito da formulação de expectativas dos diversos agentes económicos.

Neste momento é de todo impossível quantificar o que quer que seja, pois tudo vai depender do tempo de isolamento, do tempo de duração da pandemia e da rapidez como a recuperação económica vai ocorrer. Qualquer projeção neste momento, é pura especulação e destina-se apenas a criar notícias, tanto mais que teremos dois choques simultâneos: do lado da procura e do lado da oferta, sendo que todas as outras economias estarão na mesma situação, o que dificultará as nossas exportações e o turismo.

Várias coisas são certas, vamos ficar com sérios problemas económicos e sociais para resolver: pobreza, insolvências, desemprego e aumento da dívida pública, quer real quer relativa.

No que concerne à dívida pública, apesar de no ano de 2019 ter ficado nos 118% do PIB, em termos relativos, tem sido progressivamente reduzida desde 2014, quando atingiu o valor de 132,9 % do PIB. Em minha opinião, se outras opções políticas tivessem sido seguidas, atualmente a nossa dívida real e relativa seria certamente menor, deixando uma maior margem de manobra ao governo para combater a pandemia, apoiar os portugueses e relançar a economia.

Apesar da lenta recuperação da dívida relativa, estávamos no bom caminho para uma mais do que merecida subida nas notações das agências de rating e com isso, consolidar a confiança perante os credores e por exemplo atrair mais e melhor investimento estrangeiro. Acredito que, se não se fizessem loucuras financeiras dentro de nove ou dez anos a dívida pública iria representar cerca de 85% do PIB.

Agora com esta pandemia tudo é muito incerto e cinzento. Por mais medidas que Portugal implemente para reduzir os efeitos económicos, sozinho e sem apoio europeu os resultados serão reduzidos. Não temos capacidade suficiente para nos endividarmos de forma a relançar a economia e combater os efeitos que estamos e iremos ter. Com a queda abrupta do PIB e com o aumento da dívida soberana, facilmente atingiríamos a impensável cifra de 150% do PIB, o que provocaria que dentro de um ou dois anos tivéssemos outra intervenção externa, bem mais penosa do que a anterior.

É nesta precisa altura que a solidariedade europeia faz mais sentido do que nunca. Para esta crise nada contribuímos. Esta crise não surgiu por termos vivido acima das nossas possibilidades, antes pelo contrário estávamos a endireitar as contas públicas e a reduzir a percentagem da dívida.

É necessária uma forte intervenção do BCE, tal como já o fizeram a Reserva Federal e o Banco de Inglaterra. Felizmente que a intervenção do BCE não depende de vontades políticas nem egoísmos ou visões curtas como a dos holandeses. Parece que os alemães já estão a começar a perceber que a solidariedade na Europa tem de existir, mas os holandeses são mais lentos ou mais egoístas. Foram estes os dois países que mais ganharam com a criação do euro.

A mutualização da dívida dos países da zona euro é uma das melhores saídas para o relançamento da economia, diminuição do desemprego e da pobreza. Não estou a falar da mutualização da dívida total dos países, mas apenas dos valores necessários para fazer face a esta anormal situação. A dívida que cada país tem, ficaria da sua responsabilidade total, sendo apenas mutualizada a nova dívida com tetos máximos por país e pagável num prazo alargado. Tratava-se apenas de uma mutualização temporária, limitada e perfeitamente justificada.

Apesar de, já existir um plano financeiro europeu considerado “ambicioso”, ainda não se percebeu ao certo os totais contornos desse plano, bem como se é suficiente.

Com decisões acertadas a UE e a zona euro sairiam mais fortalecidas. A mutualização permitiria ainda fazer aumentar a procura do euro, como moeda de investimento, combatendo assim a hegemonia do dólar.

Faltam na UE líderes políticos que vejam a Europa como um todo. Já existiram, mas infelizmente já morreram todos, sendo que os princípios e as razões que levaram à criação da CEE e depois da UE parecem estar cada vez mais longínquos. As memórias da II Guerra mundial e do pós-guerra estão a desvanecer-se, assistindo-se novamente na Europa ao surgimento de extremismos e populismos, que normalmente dão mau resultado.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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