Covid-19: qualidade do álcool em gel à venda em Portugal não é testada

Segundo a Deco Proteste, os antissépticos em gel apenas são eficazes se o conteúdo em álcool for superior a 60%. A Organização Mundial de Saúde aconselha até 80%. Produto não está a ser testado porque não há indícios, na documentação que apresentam, de falsificação ou adulteração.

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Os antisséticos em gel apenas são eficazes se o conteúdo em álcool for superior a 60%, diz a Deco Proteste Nuno Ferreira Santos

Nenhum organismo do Estado está a testar em laboratório a qualidade do álcool em gel à venda em Portugal. A função caberia em princípio à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), cujo laboratório está, porém, virado para a análise dos géneros alimentares.

Outras entidades oficiais fiscalizam aspectos como a conformidade da rotulagem, a documentação e a proveniência deste tipo de produto – mas não se a composição do produto obedece aos mínimos exigidos para proteger os consumidores contra o novo coronavírus.

De acordo com a associação de defesa do consumidor Deco Proteste, os antissépticos em gel apenas são eficazes se o conteúdo em álcool for superior a 60%. Já a Organização Mundial de Saúde aconselha até 80% de álcool, muito embora avisando que os géis são menos eficazes que os líquidos.

Uma operação desencadeada pela Interpol no início de Março passado e denominada Pangea detectou em 90 países 34 mil artigos e produtos médicos ilegais destinados à protecção contra a pandemia, incluindo gel desinfectante das mãos.

Apesar de estar vocacionado para géneros alimentares, o laboratório da ASAE pode sempre recorrer a congéneres externos se quiser testar outros produtos que não esteja certificado para analisar, explica o principal responsável desta entidade, Pedro Portugal Gaspar. Porém, não o fez até agora: “Ainda não estivemos muito focalizados nisso, temos estado mais focados no lucro ilegítimo.” A ASAE tem levado a cabo várias operações destinadas a detectar especulação neste e noutros produtos relacionados com a pandemia, como as máscaras.

“Não sei se nos temos essa valência. As análises feitas no laboratório são precedidas por um conjunto de certificações”, acrescenta o inspector-geral. Questionado sobre se não considera grave que não esteja a ser testado um produto destinado a proteger dos consumidores, Pedro Portugal Gaspar responde que pode não haver sequer um laboratório público certificado para o efeito. Seja como for, adianta, grande parte deste tipo de consumíveis, como as máscaras, têm certificação CE. 

O símbolo CE é colocado pelo próprio fabricante ou importador na União Europeia, mas há produtos com a marca que não são seguros e o contrário também pode acontecer. Sucede ainda que na passada semana, e devido à escassez de determinados dispositivos médicos e equipamentos de protecção individual, passou a ser permitida na Europa a importação de determinados produtos sem o selo CE, desde que comprovado o cumprimento dos requisitos de segurança, de saúde e de desempenho estabelecidos pela legislação europeia.

O PÚBLICO inquiriu também a Direcção-Geral da Saúde – que não respondeu – e a Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) sobre as garantias de defesa da saúde pública no caso do álcool em gel. Referindo estar atento ao fenómeno da falsificação/contrafacção de medicamentos e produtos de saúde, esta entidade explica que participa, há largos anos, na operação Pangea. E acrescenta que tem também um protocolo com a Autoridade Tributária para que qualquer produto suspeito possa ser analisado/verificado pelos seus técnicos.

“No âmbito da actual pandemia, o Infarmed, a ASAE e o Instituto Português de Qualidade têm, em parceria, apoiado as aquisições para o Serviço Nacional de Saúde de dispositivos médicos e equipamentos de protecção individual, apreciando e verificando documentalmente as propostas apresentadas, nomeadamente quanto à conformidade do produto com referencial normativo reconhecido e ou apreciando a credibilidade do circuito de distribuição”, diz a Autoridade Nacional do Medicamento, acrescentando que a apreciação quanto à conformidade dos dispositivos cabe aos organismos notificados (entidades independentes com competência técnica para proceder à avaliação da conformidade dos produtos sujeitos a directivas comunitárias) e, no contexto covid-19, aos fabricantes — que devem também garantir a conformidade dos seus produtos com as normas aplicáveis na União Europeia.

No caso dos consumíveis sem marcação CE, a demonstração do cumprimento dos requisitos de saúde e segurança “poderá ser realizada com base em documentos que provem que o produto cumpre as especificações técnicas europeias ou internacionais reconhecidas”, diz o Infarmed.

Ou seja, a qualidade do álcool em gel não está a ser testada porque as autoridades fiscalizadoras se baseiam na documentação e na certificação dos produtos. Se a documentação e proveniência obedecem aos critérios exigíveis consideram não haver razão para duvidar da sua qualidade.

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