#TodosÀJanela: protesto quer tachos a bater pelos direitos dos trabalhadores

De 13 a 17 de Abril, o movimento Todos à Janela quer que se faça barulho nas janelas do país. Pedem mais medidas para proteger os trabalhadores, como suspender as rendas e obrigar os bancos a devolver 20 mil milhões de euros.

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NELSON GARRIDO

“Traz os tachos e as panelas, por todos, em todas as janelas” — eis o mote da acção #TodosÀJanela. A iniciativa nasceu no Facebook e convida todos os interessados a manifestarem-se à varanda ou à janela, pelas 19h, todos os dias, de 13 a 17 de Abril. O objectivo é lutar contra o que os promotores chamam de uma “avalanche de ataques aos direitos dos trabalhadores” em plena pandemia de covid-19 e sensibilizar para a necessidade de mais medidas de apoio social e económico.

A ideia surgiu de um “grupo de amigos”, envolvidos em “associações, grupos de ajuda de bairro e iniciativas comunitárias”. “Decidimo-nos juntar porque entendemos que não estão a ser tomadas as medidas necessárias ao apoio das pessoas do ponto de vista social e económico”, explica ao P3 Lúcia Gomes, advogada de direito laboral, que está envolvida na organização da iniciativa — não é única porta-voz, ressalva, até porque a estrutura é muito “informal”. Alguns membros fazem parte de associações partidárias, mas a advogada esclarece que a acção não se identifica com nenhum partido.

Desde o dia 7 de Abril que o movimento está a apresentar as suas exigências nas redes sociais. São cinco, no total: a proibição de qualquer cessação de contrato e de prestação de serviços; a suspensão da facturação e cobrança da água, luz e telecomunicações; a suspensão das rendas de casas e comércio durante seis meses; a devolução faseada pelos bancos de 20 mil milhões de euros para financiar programas de apoio a trabalhadores de micro, pequena e médias empresas; e o impedimento da utilização do orçamento da Segurança Social para apoios a entidades empregadoras e impedimento de isenção da Taxa Social Única.

E é para defender os direitos daqueles que estão “a sentir na pele os efeitos mais imediatos das consequências económicas e laborais” da pandemia de covid-19 que se apela então aos portugueses que “façam uma coisa tão simples como pegar num tacho, numa panela ou em qualquer outra coisa que tenham em casa” e façam barulho à janela, pelas 19h — a inspiração veio, claro, dos “panelaços” brasileiros.

O direito à habitação acima do direito à propriedade

Uma das medidas que o movimento mais reclama é a suspensão de rendas habitacionais e de comércio tradicional pelo período mínimo de seis meses. Lúcia Gomes não tem dúvidas de que ninguém que dependa de rendas para sobreviver sairia prejudicado: “Os proprietários nos grandes centros urbanos são os grandes grupos financeiros. Nós temos visto isto, a grande crise na habitação tem sido provocada por grandes financeiras. Propomos a suspensão das rendas para o pequeno comércio e para a habitação, mas ao mesmo tempo também propomos que seja criado um mecanismo de compensação para estes pequenos proprietários.” Sendo que, reivindicam, este financiamento “tem de ser pensado pelo Estado”, sem ser “proveniente do Orçamento de Estado”.

O essencial é, acima de tudo, assegurar que todos têm um tecto. “O direito à habitação tem de se sobrepor ao direito à propriedade”, sublinha a advogada. "É o direito à habitação que nós temos de proteger, é o direito a cada um manter a sua casa e ter um sítio onde viver.”

A banca, considera Lúcia Gomes, também pode ter um papel fundamental para dar resposta à crise económica causada pelo novo coronavírus. “Qualquer medida de apoio às pessoas que estão realmente a precisar tem que ser à custa destes 20 mil milhões que desde 2009 foram entregues à banca. Está na hora de devolverem aquilo que lhes foi dado.”

O movimento tem partilhado nas suas páginas de Facebook e no Instagram mensagens de trabalhadores de várias áreas, de historiadores e produtores culturais a antropólogos, sobre a situação actual. “Não ficará tudo bem enquanto se despedirem trabalhadores ou se impuserem dias de férias aos que estão em quarentena (...)”, escreve, por exemplo, a médica Joana Carvalho. “As grandes empresas não perdem a oportunidade de cometer todos os abusos laborais para os de sempre não perderem o seu quinhão”, condena a assistente de produção Laura Diogo.

O protesto promete não ficar por aqui — irá continuar caso o estado de emergência seja renovado e se as revindicações não forem respondidas. Lúcia Gomes sabe que a “natureza digital” da acção a pode fragilizar ("O contacto pessoal, a presença, o estar na rua, o falar, é sempre muito mais sólido e sempre muito mais contínuo”), mas não desarma. Enquanto houver voz, há luta. “Não tenho medo porque são pessoas que estão comprometidas com estas causas e que sempre estiveram comprometidas com a defesa destas ideias. Enquanto existirem medidas que ponham em causa a sobrevivência dos trabalhadores e das suas famílias, a gente vai continuar cá.”

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