Covid-19: o som da vuvuzela dá o sinal e às 22h00 há música em Ramalde, no Porto

O objectivo é contornar as medidas de afastamento social, sem quebrar as regras da quarentena, cantando músicas variadas nas suas janelas e varandas.

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Reuters/ALESSANDRO BIANCHI

O som de uma vuvuzela dá o sinal às 22h, a hora marcada para que, na zona do Edifício do Lago, freguesia de Ramalde, no Porto, os vizinhos venham à janela ouvir e acompanhar o tema musical escolhido.

É assim praticamente desde que a quarentena provocada pela pandemia covid-19 começou, em Março, tal como acontece noutras zonas da cidade do Porto, por exemplo, no Largo do Curso Silva Monteiro, na freguesia de Lordelo do Ouro, onde se criou o movimento Às Dez no Largo.

Ao contrário do que acontece em Ramalde, em Lordelo do Ouro a playlist é elaborada exclusivamente com temas portugueses, o que motivou já comentários e manifestações de apoio de alguns músicos nacionais. Foi criada uma conta na rede social Instagram, com fotografias e vídeos dos momentos vividos a cada noite, que já tem milhares de seguidores.

Mas em Ramalde o espírito é o mesmo, ou seja, contornar as medidas de afastamento social, sem quebrar as regras da quarentena, cantando músicas variadas nas suas janelas e varandas.

A hora tem sido escrupulosamente cumprida, mas na noite de domingo a voz da fadista Mariza ouviu-se com sete minutos de atraso. Nesses “longos” sete minutos, os vizinhos não pararam de assobiar, gritar e bater palmas, como que a recear que o autor deste convívio habitual entre vizinhos tivesse desistido.

Ninguém se calou e às 22h07 ouviu-se o fado Rosa Branca, interpretado por Mariza, através de uma coluna colocada numa qualquer janela de um dos prédios que circundam aquela zona. A regra é passar apenas uma música.

Em declarações à Lusa, Cristina Matos, moradora na zona e em teletrabalho desde 16 de Março, diz que, apesar de não conseguir identificar ao certo de onde vem a música, reconhece que é “um momento de união/cumplicidade entre vizinhos, mesmo que muitos deles nem se vejam e nem se consigam identificar”.

Esta moradora disse que sempre entendeu o momento musical como “uma coisa entre vizinhos”, nunca achou que fosse de homenagem aos profissionais de saúde.

“Senti que era um grupo de vizinhos a dizer ‘estamos aqui’, parece-me que cada vez há mais gente todas as noites, tanto pelas luzes dos telemóveis como pelo ruído de palmas e gritos. Acho que pode ser positivo, sim”, sustentou.

Contudo, Cristina Matos acrescentou que gostaria que “essa união/cumplicidade se traduzisse noutras coisas, como sorrir ou ceder a passagem num supermercado ou sorrir ou ceder a passagem no elevador do prédio. Agora, e quando isto passar, se calhar é mais importante do que uma música tocada às 22h todas as noites”.

“No início, quando sentia que tudo isto ainda me parecia ‘não estar a acontecer’, cheguei a ir para a janela, ligar a lanterna, embalar-me ao som da música que estava a tocar e emocionar-me com o gesto, ou seja, sentir a tal cumplicidade, mas depois passou. Talvez seja por estar um pouco longe”, disse.

Ainda a propósito, Cristina Matos contou que no fim-de-semana respondeu a um estudo online sobre cidades/pandemia. “Uma das perguntas era se conheço melhor os meus vizinhos desde o início da pandemia. A minha resposta, sem hesitar, foi ‘não’. Quase nem encontro vizinhos, quando vou à rua, ao supermercado. Cruzava-me com muitos vizinhos antes, no elevador, quando tudo estava ‘normal’”, disse.

Uma outra moradora na zona, Ana Carvalho, disse à Lusa que acha a iniciativa “divertida”.

“Gosto muito, acho divertido e acho que é uma forma de união entre vizinhos. Já que estamos a viver este momento, um pouco deprimente, sempre traz alguma alegria, mesmo que por poucos minutos”, acrescentou.

A morar na mesma zona, uma outra vizinha disse achar “interessante” esta ligação entre os vizinhos, mas admite que não tem “ligado muito” e que às vezes nem ouve a música.

Como acontece em tantos outros países, devido à pandemia covid-19, em Portugal a grande maioria das pessoas está em casa, o contacto social é totalmente desaconselhado, as saídas só devem acontecer em casos excepcionais.

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