Teletrabalho. Mostramos as casas e os filhos e isso é um perigo, alertam os especialistas

“Evitar filmar demasiado a casa” e não mostrar “janelas para uma rua identificável” que permita “divulgar o local onde se mora” são algumas das recomendações do Centro Nacional de Cibersegurança.

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Centro Nacional de Cibersegurança recomenda estarmos num "cenário neutro" rui gaudencio

Para muitas empresas, nestas últimas semanas, o teletrabalho transformou-se no “novo normal” – com todos os desafios associados à dificuldade em desligar e ao isolamento profissional. A sala de reuniões migrou para as divisões da casa e deu lugar à videoconferência. Manter a produtividade no meio desta transição é uma tarefa que, asseguram as organizações, se configura como “desafiante, sem, no entanto, ser impossível”. Já as preocupações com a privacidade que daí surgem, por outro lado – sobretudo numa altura em que a plataforma Zoom, por exemplo, está a ser acusada de omitir várias lacunas e deficiências no seu sistema de segurança – nunca foram tão grandes.

“As plataformas de videoconferência são bastante práticas mas, como qualquer peça de software, também podem apresentar vulnerabilidades”, explica ao PÚBLICO fonte do Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS). Posto isto, as empresas devem privilegiar aquelas que “possibilitam a configuração de diferentes mecanismos de segurança”. “Por exemplo, as que disponibilizam o uso de uma palavra-passe única e de uma autenticação para se entrar numa reunião em vez de apenas um link; as que fornecem a opção de desfocar o fundo do enquadramento ou ainda as que conseguem impedir a gravação daquilo que está a ser filmado por parte dos outros participantes”, enumera.

No actual quadro de pandemia, que força muitos trabalhadores a improvisar escritórios em casa, estes cuidados – que já devem ser considerados em situações “normais”, frisa o CNCS – ganham contornos particularmente importantes, porque há riscos de “inadvertidamente revelar informação privada, enquadrada numa imagem que pode ser seleccionada e ‘lida’, sem que se tenha intenção de a partilhar”.

“Nem toda a gente tem um espaço exclusivo de trabalho no sítio onde vive. Eu, por exemplo, não tenho escritório em casa. Tenho dividido a mesa da sala com o meu marido, cada um fica com o seu pequeno canto. Nestas circunstâncias, é difícil separar a parte pessoal da profissional”, exemplifica Liliana Flores, coordenadora de recursos humanos do centro de investigação Fraunhofer Portugal.

Cenário neutro ou fictício

Numa videoconferência – que, para reuniões com clientes, pontos regulares de situação entre membros de equipas ou avaliação conjunta de projectos, tem sido uma realidade quase diária para muitos trabalhadores –, Susete Ferreira, directora de marketing da empresa de desenvolvimento de software Critical TechWorks, frisa que devemos ter a certeza de que “estamos num cenário neutro” antes de começarmos qualquer transmissão. É fundamental que “atrás de nós não existam quadros com notas de moradas, passwords ou serviços que usamos”, por exemplo. “Alguns programas permitem criar um cenário fictício, camuflando o contexto real, mas a tecnologia só é fiável até certo ponto”, salvaguarda, pelo que o melhor “será mesmo prevenir”, deixando perto do alcance da câmara apenas aquilo que tem “relevância” para o que vai ser discutido.

“Normalmente, quando faço acções de formação, preciso de partilhar o meu ecrã, e, naturalmente, temos sempre alguma informação confidencial nos nossos computadores. Para me certificar que não corro nenhum risco, faço uma pequena vistoria antes de iniciar cada videoconferência”, esclarece Ricardo Melo, investigador sénior na Fraunhofer. “Em primeiro lugar, ‘escondo’ aquilo que possa estar no ambiente de trabalho e conter informação mais sensível, e da mesma forma, por prevenção, também fecho tudo o que forem caixas de correio electrónico ou mensagens.”

O CNCS também aponta para o “cuidado de não ter palavras-passe ou códigos PIN escritos em papéis visíveis” – até porque essas “devem ser memorizados e nunca escritas” –, e sublinha que é fulcral “evitar filmar demasiado a casa e, sobretudo, paisagens exteriores que, de alguma maneira, ajudem a divulgar o local onde se mora”. Secretárias com cartões de crédito – que “podem ser esquecidos em cima de uma mesa, por exemplo” – ou facturas que possam conter dados intransmissíveis e “janelas para uma rua identificável” estão fora de questão. O ideal é mesmo um fundo “inócuo”. A plataforma Microsoft Teams é a preferida para a comunicação interna na Fraunhofer porque, acima de tudo, assinala Ricardo Melo, “garante alguma encriptação”.

O investigador lamenta, no entanto, que numa videoconferência seja “difícil ter um diálogo orgânico”, em que os intervenientes “sintam que conseguem participar e têm permissão para interromper”. “Uma interrupção numa conversa remota é mais difícil de fazer porque não é natural”, explica. “E isso pode prejudicar a discussão saudável entre colegas.”

Para combater esse problema, a TechWorks tem sempre um “líder de reunião”. Este, conta Susete Ferreira, “assegura o cumprimento da agenda e dá a palavra, de forma ordeira, a quem pretende falar”  para além de, “oportunamente”, apontar para “quem ainda não se manifestou mas poderá ter contributos a dar”.

Reuniões sem interrupções

Esta empresa sugere duas das principais chaves para uma videoconferência produtiva: “não extrapolar o tempo estabelecido” para as reuniões de trabalho e “seguir uma agenda predefinida”. No fim, e como, com “indesejada” frequência, podem ocorrer “cortes na ligação ou outros factores externos, característicos de, nalguns casos, vivermos com várias pessoas em casa”, “documentar as principais intervenções e conclusões” garante que todos ficam a par do que de mais importante foi dito.

“Quando preciso de participar numa reunião, para além de garantir que a Internet está a funcionar correctamente, dou indicações em casa para não me interromperem. O meu marido fica a tomar conta das crianças enquanto estou ocupada. Mas sabemos que alguns dos nossos colaboradores não têm essa facilidade e, por isso, é muito normal os mais pequenos aparecerem nos ecrãs”, reflecte Teresa Carreiro, directora de operações da Critical Manufacturing.

De resto, “há quem tire as fotografias de família de cima da mesa antes de começarmos a falar, para não serem ‘apanhadas’ pela câmara. Não temos indicações directas dentro da empresa para fazer isso, mas é uma questão de prudência”, acrescenta a gestora. “Também temos membros que desligam o microfone quando não estão a falar. É uma boa opção para evitar ruídos e interferências.” E um procedimento que está em linha com as recomendações do CNSC: no final de cada videoconferência, por uma questão de segurança, convém “desligarmos a câmara e o microfone nas configurações de privacidade do computador”.

Texto editado por Bárbara Wong

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