Vestager apoia travão a investidas da China em empresas estratégicas

Bruxelas teme que empresas mais vulneráveis sejam compradas. Pequim aposta na nova rota da seda e em crescer na Europa. Comissão Europeia respalda governos.

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O investimento estrangeiro é bem-vindo, mas não com “meios injustos”, diz Vestager Philip Davali/EPA

Há muito atenta aos interesses de Pequim em sectores-chave da economia europeia, Bruxelas está mais vigilante do que nunca ao risco de um avanço chinês em tempos de pandemia da covid-19 significar a perda de controlo europeu sobre grandes empresas do Velho Continente. E as palavras de ordem aos 27 governos são duas: atenção redobrada e, se for preciso, agir.

Margrethe Vestager, vice-presidente da Comissão Europeia e desde 2014 comissária com a pasta da Concorrência, admite que os Estados-membros devem comprar acções em empresas se isso for condição para garantir a segurança europeia.

“Se for necessário, não temos quaisquer problemas em que os Estados actuem como operadores de mercado assumindo posições numa empresa para impedir uma aquisição desse tipo”, disse numa entrevista ao Financial Times, ciente do “risco real de as empresas vulneráveis poderem ser objecto de uma aquisição”.

Com uma economia aberta ao mundo, cerca de 35% dos activos no interior da União Europeia estão nas mãos de empresas estrangeiras e — ainda que, como assinalava um relatório da Comissão há um ano, os Estados Unidos, o Canadá, a Suíça, a Noruega, o Japão e a Austrália representem 80% deste investimento — a preocupação do executivo comunitário vai para o aumento contínuo da participação de países emergentes, como é o caso da China, país que tem apostado em crescer em empresas de produção de aviões e maquinaria e que se mobiliza em torno da nova rota da seda.

Com a economia global a caminhar para uma recessão histórica e o tecido empresarial mais vulnerável à tomada de posição por parte de investidores directos estrangeiros, Margrethe Vestager vinca ao Financial Times que a situação pandémica relacionada com a covid-19 reforça a necessidade de manter o escrutínio sobre os investimentos. “Estamos a trabalhar de forma intensa nesse aspecto. É uma das nossas principais prioridades”, afirma.

A mensagem é de pendor proteccionista e, ao mesmo tempo, de promoção da transparência — Vestager diz que as pessoas “são mais do que bem-vindas a fazer negócios na Europa”, mas não a concretizá-los com “meios injustos” do ponto de vista da concorrência global.

Plano de Merkel

As observações da Comissão von der Leyen, já sinalizadas pelo executivo comunitário num relatório de Março de 2019 ao tempo de Juncker, estão alinhadas com as preocupações do Governo alemão liderado por Angela Merkel, que prepara legislação que permita às autoridades nacionais travar investidas em empresas estratégicas e restringir o poder de acesso a informações enquanto os reguladores avaliam a concretização dos negócios.

Eram cinco as tendências que a Comissão Europeia apontava relativamente à evolução dos activos europeus nos últimos anos: “A participação de capitais estrangeiros nas empresas da UE tem vindo a aumentar nos últimos dez anos; o investimento de empresas públicas cresceu rapidamente ao longo dos últimos anos. Entre 2007 e 2017, o número de aquisições de empresas na UE por parte de empresas públicas da China, da Rússia e dos Emirados Árabes Unidos triplicou; a participação estrangeira é significativa em alguns sectores estratégicos, como a refinação do petróleo, a indústria farmacêutica, os produtos electrónicos e ópticos e o equipamento eléctrico; registou-se um aumento dos investimentos por parte de economias emergentes, nomeadamente a China, no que respeita ao fabrico de aeronaves e máquinas especializadas, e a Índia, no caso dos produtos farmacêuticos; os ‘investidores offshore’ controlam 11% das empresas da UE de propriedade estrangeira e 4% de todos os activos estrangeiros na UE. A sua presença é cada vez mais visível.”

Se em 2007 a China, Hong Kong e Macau dominavam 2,5% das empresas que já não eram controladas por capitais europeus, em 2016 esse peso já chegava aos 9,5%. É essa percentagem quando se olha para o número de empresas, embora o patamar seja de 3% quando se tem em conta o total dos activos, o que contrasta com os 62% dos Estados Unidos e Canadá.

Portugal foi um dos países onde o peso de empresas chinesas cresceu a partir da crise económica e financeira, com os investimentos de referência na EDP (China Three Gorges), REN (State Grid of China), grupo BCP (Fosun), Fidelidade (Fosun), Luz Saúde (Fosun, sendo antes detida pelo Grupo Espírito Santo), Haitong (ex-Banco Espírito Santo Investimento, agora com o nome do grupo de Hong Kong) e Global Media (KNJ Global Holdings Limited).

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