Retoma da actividade industrial em Ovar não apaga críticas

Unidades industriais estão autorizadas a retomar a actividade a partir desta terça-feira, ainda que sujeitas a várias regras. Foi quase um mês de paragem, notam os empresários, que se queixam de não terem sido ouvidos.

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Adriano Miranda

Ao fim de quatro semanas de quarentena geográfica, Ovar pode começar a recuperar parte do seu ritmo de produção industrial. Todas as unidades estão autorizadas a voltar a funcionar, a partir desta terça-feira, desde que cumpram várias regras. Só vão poder contar com os colaboradores residentes no município de Ovar, têm de cumprir uma ocupação máxima correspondente a um terço dos trabalhadores, estando interditos os colaboradores com mais de 60 anos.

Um pequeno passo para uma retoma que se adivinha demasiado difícil. Há o receio de que nem todas as empresas consigam reerguer-se após esta crise e as críticas não têm baixado de tom. Os empresários lamentam não terem sido ouvidos em todo este processo.

“Foi um corte de um dia para o outro”, aponta Henrique Araújo, do recém-criado Grupo de Apoio aos Comerciantes e Empresários do Município de Ovar (GACEMO), a propósito do impacto do cerco sanitário. No seu entender, deveria ter sido acautelado um prazo “de dois ou três dias para as empresas poderem escoar os seus produtos”.

Henrique Araújo fala no caso de um elemento do GACEMO que “perdeu uma encomenda de 700 mil euros” por conta da interrupção abrupta da actividade industrial.

Sem colocar em causa a imposição do cerco sanitário em Ovar, o dirigente do GACEMO condena o facto de não terem sido tomadas medidas a fim de proteger a economia do município.

“As indústrias dos concelhos vizinhos, nomeadamente Estarreja e Feira, puderam continuar a trabalhar e acabaram por ficar com encomendas e clientes das empresas de Ovar”, repara Henrique Araújo, dando outro exemplo concreto: “uma empresa de jardinagem, cujos clientes são todos da Feira, não foi autorizada a manter o serviço e agora ficou sem clientes”. “Esta situação é um desastre que vai deixar mazelas por muito tempo”, adverte.

Também Fernando Oliveira, sócio-gerente da SOMA, critica a forma como as autoridades conduziram o processo da quarentena geográfica. “Teria sido importante ouvir as empresas”, repara, convicto de que a sua empresa, e outras mais, poderiam ter continuado a trabalhar mesmo com o cerco sanitário.

“Antes do cerco, já tínhamos tomado medidas muito rigorosas para evitar o contágio: aqueles que podiam estar em teletrabalho foram para casa, criou-se mais um refeitório e alteraram-se os horários de almoço de forma a estarem apenas duas pessoas em cada refeitório”, nota.“Era escusado termos destruído a economia da região”, vinca, lamentando que a câmara municipal de Ovar tenha estado “de costas voltadas para os empresários”.

No caso da SOMA, que se dedica à produção e reparação equipamentos de recolha de resíduos, a primeira fase do cerco sanitário (de 18 de Março a 2 de Abril) obrigou a empresa a encontrar respostas lá fora.

“Tive de pedir para que fossem enviadas peças directamente de Itália e da Alemanha para não deixar os nossos clientes sem assistência”, testemunha Fernando Oliveira, recordando que só depois do dia 2 de Abril é que as empresas passaram a ter possibilidade de escoar mercadoria.

Ainda é cedo para fazer contas aos prejuízos, tanto mais porque ainda não vai ser desta que a SOMA vai conseguir retomar a actividade.

O motivo? “Dos 17 funcionários da empresa, só três são do município de Ovar e um deles tem mais de 60 anos”, testemunha o empresário, que espera que a situação das empresas que têm parte significativa dos funcionários oriundos de outros concelhos passe também a ser acautelada. Mas apenas “numa segunda fase”, segundo declarou Salvador Malheiro, presidente da câmara municipal de Ovar, ao PÚBLICO. “É importante o cerco ser mantido, porque é uma forma de nos protegermos”, frisou.

Governo vai ter de apoiar empresas de Ovar

Confrontado com as críticas dos empresários que apontam o dedo à própria câmara municipal, o autarca refuta as acusações. “Não foi a câmara que decidiu o cerco, foi a Direcção-Geral de Saúde”, argumenta.

Também no que toca ao regime de excepção que tinha sido decidido pelo Governo – foram emitidos vários diplomas, pelo Ministério da Economia e Conselho de Ministros, para autorizar algumas indústrias a retomar a actividade , Salvador Malheiro assevera que a sua opinião passou por defender que “toda a indústria do concelho” pudesse entrar em funcionamento logo a seguir à Páscoa. “Tinha de haver justiça e permitir que todas pudessem trabalhar”, frisa.

É isso que vai acontecer a partir desta terça-feira, “com regras apertadas”, garante o autarca, lembrando que “a saúde pública continua a estar na linha da frente das prioridades”.

Entre as condições impostas às empresas, conforme é especificado no despacho do ministro da Economia da passada quinta-feira, está também o uso de equipamento de protecção individual, distanciamento social e cumprimento das normas da Direcção-Geral de Saúde para o respectivo ramo de actividade.

Ainda sem números concretos, há algo que parece inquestionável. “O esforço financeiro que os industriais de Ovar estão a fazer equivale à aquisição de muitos ventiladores”, atira Salvador Malheiro. E se “é de elementar justiça que o Governo injecte [apoios] na economia portuguesa”, também é obrigatório que haja “uma discriminação positiva” das indústrias de Ovar, sustenta o autarca.  

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