Covid-19: Olga Roriz diz que os artistas têm de se “reconstruir” face à crise

Bailarina e coreógrafa festeja 25 anos da sua companhia inquieta com o que aí vem, mas confiante. “Esta situação é muito preocupante pela inactividade e incerteza com o futuro, mas acho que vamos sair daqui melhores”, diz.

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Olag Roriz tem uma das mais longas e sólidas carreiras da dança portuguesa evr Enric Vives-Rubio

A coreógrafa e bailarina Olga Roriz disse no domingo que os artistas “têm de aprender a reconstruir-se de forma criativa e positiva” para enfrentar a actual crise que teve um forte impacto no sector da cultura.

A Companhia Olga Roriz acaba de completar 25 anos de existência, mas a emoção de celebrar é abafada pelo cancelamento dos seus espectáculos e pela preocupação com o futuro.

Desde que todos os espaços culturais foram encerrados para cumprimento das normas de combate à pandemia do novo coronavírus, milhares de artistas ficaram impedidos de apresentar espectáculos e exposições. “Esta situação é muito preocupante pela inactividade e incerteza com o futuro, mas acho que vamos sair daqui melhores. O regresso vai demorar muito tempo e vai ser diferente”, declarou Olga Roriz à agência Lusa.

A coreógrafa estava a preparar a estreia de Seis Meses Depois, que deveria ser apresentada na próxima semana no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, mas foi cancelada.

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Propriedade Privada Paulo Pimenta

“No entanto, vamos conseguir pagar aos bailarinos da companhia porque os espectáculos vão ser pagos, o que dará alguma estabilidade”, apontou. Já há reagendamentos e a indicação de que os espectáculos reprogramados para Setembro “deverão ser pagos a 40%, mas os adiamentos trazem outros problemas porque vão sobrepor-se a outros espectáculos que já estavam programados para o final do ano ou para 2021”.

Em ano de bodas de prata, a Companhia Olga Roriz tem estado a preparar um documentário, a edição de um livro e um projecto de tratamento do seu arquivo, que é extenso. A equipa é composta por oito bailarinos, cinco membros da direcção, e ainda dois técnicos de luz e som.

As residências pararam e as aulas estão a ser feitas online, numa tentativa de “reorganizar o trabalho”, disse Roriz, referindo-se à escola de dança que a companhia inclui no seu trabalho habitual desenvolvido no Palácio Pancas Palha.

“A dúvida e a incerteza pairam no ar, mas temos de ter tranquilidade”, comentou, indicando que a companhia vive também do apoio da Direcção-Geral das Artes e que se candidatou a um financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian.

Quanto às instalações actuais onde trabalham, não são garantidas: “O edifício é cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, mas podemos ter de sair a qualquer momento porque se encontra à venda. Mesmo assim, a autarquia diz que se isso acontecer nos encontrará outro espaço.”

Trabalho de equipa

Além da instabilidade que já se vive habitualmente no mundo artístico, “este vírus trouxe um risco acrescido para os artistas. Ainda mais na dança, porque as pessoas tocam-se muito no seu trabalho”, acrescentou a coreógrafa.

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A Sagração da Primavera Paulo Pimenta

A possibilidade do trabalho online não é fácil na área da dança já que esta precisa de espaço e é, por natureza, um trabalho de equipa. “Vemos a Maria João Pires a dar um belíssimo concerto ao piano, através do Instagram, mas para nós não é possível”, comparou.

Sobre a possibilidade de os espectáculos poderem voltar a acontecer, num primeiro momento, apenas ao ar livre, a coreógrafa diz que não é uma solução boa para tudo. “Talvez no Verão, e mesmo assim não dá para todos os espectáculos, depende do tipo de cenário”, opinou a artista.

Olga Roriz considera ainda que a continuidade do financiamento do Estado “é muito importante para que os artistas continuem a trabalhar e possam viver com dignidade, mas há que pensar muito bem sobre o futuro”. A coreógrafa propõe, por exemplo, que os contratos com as autarquias incluam cláusulas que protejam os artistas.

O repertório da Companhia Olga Roriz na área da dança, teatro e vídeo é constituído por mais de 90 obras.

Um carreira longa

Olga Roriz criou e remontou peças para o Ballet Gulbenkian, Companhia Nacional de Bailado, Ballet Teatro Guaira (Brasil), Ballets de Monte Carlo, Ballet Nacional de Espanha, English National Ballet, American Reportory Ballet e Alla Scala de Milão.

Nascida em Viana do Castelo, em 1955, Roriz estudou ballet clássico e dança moderna com Margarida Abreu e Ana Ivanova, ingressou na Escola de Dança do Conservatório Nacional de Lisboa e tornou-se primeira bailarina do Ballet Gulbenkian, onde foi depois convidada a coreografar.

Em 1995, viria a criar a Companhia Olga Roriz, desde 2014 instalada no Palácio Pancas Palha, cedido pela Câmara Municipal de Lisboa.

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Os Olhos de Gulay Cabbar, um solo de Roriz para Roriz Paulo Pimenta

O seu repertório na área da dança conta, entre outras, com as peças Pedro e Inês, Inferno, Start and Stop Again, Propriedade Privada, Electra, Os Olhos de Gulay Cabbar, Nortada, Jump-Up-And-Kiss-Me, Pets, A Sagração da Primavera, Antes que Matem os Elefantes e Síndrome.

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