“Desligar” e “ligar” o distanciamento social pode ser a melhor forma de ultrapassar a pandemia

Investigadores de Harvard defendem que um distanciamento social on e off é a melhor forma de mitigar a propagação do novo coronavírus, ao mesmo tempo que garante a construção da imunidade de grupo.

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O isolamento social trava o desenvolvimento de imunidade de grupo Paulo Pimenta

Para mitigar a propagação do novo coronavírus, muitos países, entre os quais Portugal, têm aplicado medidas severas de distanciamento social, com o encerramento da maioria dos serviços e actividades económicas e o isolamento da população.

As medidas têm-se mostrado eficazes no “achatar da curva” (abrandar a disseminação da infecção e reduzir a intensidade da epidemia) e a China até já levantou as restrições em Wuhan, depois de 76 dias de quarentena obrigatória. Mas alguns estudos têm concluído que um levantamento definitivo das medidas talvez não seja o passo seguinte a tomar contra a pandemia, apenas adiando um pico epidémico insuportável para os sistemas de saúde.

Um estudo desenvolvido por epidemiologistas de Harvard sugere que a melhor maneira de lidar com a propagação do vírus é um modelo de distanciamento social “intermitente”, com alternância entre períodos de isolamento e momentos de funcionamento normal da sociedade. Esta estratégia de distanciamento social on e off permitiria impedir a sobrecarga dos sistemas de saúde, enquanto se construía a imunidade de grupo necessária para ultrapassar a pandemia.

A equipa de investigadores da Escola de Saúde Pública TH Chan, de Harvard, liderada pelos epidemiologistas Yonatan Grad e Marc Lipsitch, alerta que, apesar de parecer a estratégia mais eficaz, a aplicação de medidas de distanciamento social apertadas – que reduzem a transmissão em 60% – impede o desenvolvimento de imunidade nas comunidades e torna uma nova vaga epidémica inevitável assim que estas são levantadas, com picos quase iguais aos que se verificariam numa epidemia sem qualquer tipo de controlo.

A proposta dos investigadores passa por estabelecer múltiplos períodos “intermitentes” de distanciamento social: “desligar" restrições e permitir o funcionamento normal da sociedade quando o número de casos atinge um certo patamar inferior e “ligar" as medidas de isolamento quando o número de casos chega a um determinado limite superior. O intervalo variaria de país para país, de acordo com as capacidades e decisões de cada estado. Neste estudo, os limites foram estabelecidos com base na capacidade de resposta dos Estados Unidos a casos graves (número de camas de cuidados intensivos disponíveis). 

A investigação não define números exactos, sendo preciso perceber se a covid-19 se comporta de forma sazonal, como a gripe, ou se se propaga de igual forma durante todo o ano. O estudo concluiu que o ideal para construir a imunidade de grupo e simultaneamente garantir a capacidade de resposta do sistema de saúde norte-americano seria a aplicação de medidas de distanciamento entre 25% e 75% do tempo: 25% num cenário em que o novo coronavírus se propagava menos durante o Verão e em que os Estados Unidos duplicavam o número de camas de cuidados intensivos e 75% do tempo no cenário com a capacidade real de tratar doentes graves em que a taxa de transmissão (R0) é igual todo o ano.

Ao longo do tempo, de acordo com os epidemiologistas, esta estratégia permite que a população ganhe imunidade, e os períodos de confinamento social seriam cada vez mais curtos e intervalados no tempo. No caso de ser imposto um único período de isolamento mais alargado e rígido, a eficácia da mitigação do vírus é tal que virtualmente ninguém ganha imunidade durante esse intervalo de tempo.

Esta abordagem também está dependente do desenvolvimento de uma vacina, da descoberta de um tratamento que reduza a gravidade da doença, de formas eficazes de identificação e contenção das cadeias de contágio e do número de camas de cuidados intensivos disponíveis, variáveis que permitiriam o regresso à normalidade mais cedo.

O estudo conclui que a implementação de medidas fortes de distanciamento social é essencial para controlar a propagação do novo coronavírus, mas que o distanciamento intermitente é a maneira eficaz de garantir que o sistema de saúde tem capacidade para responder ao desafio. Para isso, é necessário garantir uma vigilância atenta do número de casos, através da detecção de casos e identificação de suspeitos, para que os países possam ter noções reais dos limites impostos para retomar e interromper as medidas de contenção.

O modelo desenvolvido pela equipa de investigadores prevê para os Estados Unidos, com a duplicação do número de camas de cuidados intensivos e um abrandamento de contágios no Verão aliados ao distanciamento social on e off, o fim das medidas de distanciamento social em meados de 2021, e o fim da epidemia em 2022. Para a capacidade de resposta actual e uma taxa de crescimento constante durante todo o ano, o distanciamento intermitente ainda continuaria a ser utilizado durante 2022.

Caso não fossem tomadas quaisquer medidas, o modelo matemático calculou que a epidemia no país terminaria algures durante o Outono deste ano, mas com um sistema de saúde esmagado e muito mais mortes.

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