Morreu Stirling Moss: “Foi uma vida maravilhosa e fui pago para fazê-lo”

Considerado por muitos “o melhor piloto britânico de sempre”, o antigo corredor de F1 morreu aos 90 anos, em Londres, vítima de doença prolongada. Na década de 50 ficou por quatro vezes consecutivas em segundo lugar. Mas isso, dizia, foi uma “sorte”.

Foto
Reuters

Assumia que teve uma vida de playboy, que lhe permitiu viajar “por muitos países”, conhecer “muitas raparigas bonitas” e ter uma “qualidade de vida dez vezes superior à qualidade de vida que têm agora pilotos como o Lewis Hamilton”, que “não fazem ideia do que é desfrutar a vida”, mas apesar de contar com um currículo de luxo no automobilismo - 212 triunfos em 529 corridas -, não hesitava em afirmar que a sua “grande vitória” tinha sido o casamento com Susie, a “melhor amiga” com quem estava casado há 40 anos. E foi Susie que confirmou neste domingo a notícia de que Stirling Moss morreu em Londres, aos 90 anos, vítima de doença prolongada: “Ele morreu como viveu. De forma maravilhosa. Simplesmente cansou-se e fechou os seus olhos lindos.”

Destemido e corajoso, mas acima de tudo franco e sedutor, Stirling Moss não media as palavras quando recordava a sua história. Dizia que não tinha sido dentista como pai, porque “não era suficientemente inteligente”, lembrava que na adolescência tinha trabalhado num hotel onde serviu à mesa e foi porteiro, “mas não tinha muito jeito para isso...”

Foto

Na vida pessoal, os insucessos também não eram escondidos. Como no primeiro casamento, quando “já era corredor de automóveis e essa não é a profissão ideal para um casamento”. Ou no segundo: “No dia do casamento percebi que era um erro. Mas fui estúpido e fraco. Voltou a não resultar. Tínhamos personalidades muito diferentes. Ela era uma swinger, gostava de sair e de frequentar clubes nocturnos. Eu não.”

Estes foram desabafos de Moss em conversa com o PÚBLICO, em Maio de 2009, quando se preparava para regressar ao Porto e ao Circuito da Boavista, desta vez ao volante do seu Osca FS372 de 1956, o único carro que ainda tinha. A poucos meses de completar 80 anos, sorria ao confidenciar que conduzia a sua scooter todos os dias nas ruas de Londres – “Ninguém me reconhece com o capacete” – e que se considerava uma “prostituta internacional”: “Se estiver na Austrália e me convidar para ir lá, pagando-me, eu vou. A minha vida agora é ser relações públicas e andar de um lado para o outro.”

Esse estilo de vida, no entanto, agradava-lhe. “Viajo muito, faço milhares de quilómetros por ano em aviões e visito países maravilhosos como o Japão, a Austrália ou a Nova Zelândia. Percorro a Europa toda e a América do Sul sempre rodeado por pessoas simpáticas. É uma vida muito agradável.”

No seu estilo very british, o rosto enrugado de Moss tornava-se mais sisudo quando recordava a faceta que o tornara famoso e os duelos com o argentino Juan Manuel Fangio, o “melhor do mundo”, “amigo e mentor”, com quem falava de “carros, comida e mulheres”, e o grande responsável por eternizar Moss como “o melhor piloto que nunca venceu um campeonato do mundo”.

Fangio, 18 anos mais velho, venceu o Mundial de F1 em 1954, 1955, 1956 e 1957. Moss terminou em segundo em 1955, 1956 e 1957. Mas isso “foi uma sorte”: “Quando entrei para a Mercedes em 1955, ele era o líder da equipa e foi um privilégio ser o número dois. Era como um pai para mim. Um piloto honesto que jogava sempre limpo.”

Das histórias com Fangio, Moss recordava a sua primeira vitória na F1, em 1955: “Era o Grande Prémio britânico e continuo sem saber se ele me deixou ganhar. O Fangio era um cavalheiro, o melhor do mundo e campeão mundial. Acho que pensou que seria bom eu vencer em Inglaterra. Eu perguntei-lhe e ele respondeu-me que não. Disse apenas que aquele era o meu dia.”

Apesar do respeito e admiração por Fangio, Moss relembrava a vitória na mítica corrida de Mille Miglia, em Itália, onde terminou à frente do argentino, como, “provavelmente, a melhor corrida” da sua carreira. “Eu conseguia vencer o Fangio em corridas de automóveis. Só não o conseguia vencer em corridas de F1.”

Foto

Em 1958, o ano da despedida de Fangio da F1, foi também o ano em que Moss esteve mais perto de vencer o Mundial, mas a luta pelo título foi com Mike Hawthorn. E a história desse campeonato ficou marcada por uma atitude invulgar de Moss no Porto. Depois de Hawthorn perder o controlo do seu carro no Circuito da Boavista, o piloto da Ferrari acabou por ser empurrado e recomeçar a corrida ao contrário. A organização decidiu desqualificá-lo, mas Moss opôs-se à decisão de o penalizar, defendendo o rival. Com isso, Hawthorn somou sete pontos pelo segundo lugar. No final, Moss perdeu esse campeonato por apenas um ponto de diferença. Seria possível algum piloto na actualidade ter a mesma atitude? O britânico respondia com sarcasmo e sem hesitação: “É claro que não [risos]. Hoje isto não é um desporto, é um negócio.”

A carreira competitiva de Moss teve um final abrupto em 1962, depois de sofrer um acidente em Goodwood, que o deixou em coma durante um mês. Apesar do perigo, o inglês, que gostaria de ser recordado como “o piloto mais versátil que conduzia tudo o que tivesse quatro rodas”, admitia que “precisava do perigo e da adrenalina”. “Não consigo imaginar nenhum outro negócio ou emprego que me desse o prazer e os privilégios que o automobilismo me deu. Viajei muito, conheci mulheres bonitas. Foi uma vida maravilhosa e fui pago para fazê-lo.”

Sugerir correcção