Há jogadores portugueses com um corte de 95% do salário na Roménia

Servindo-se da legislação que entrou em vigor com a implementação do estado de emergência no país, alguns clubes romenos suspenderam o contrato com os jogadores, que passam a receber um subsídio estatal de 496 euros.

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Jogadores do Hermannstadt durante um treino DR

Na Roménia, os números da pandemia do novo coronavírus são residuais quando equiparados com os de outros países europeus, como Itália, Espanha, Alemanha ou França. Mesmo em comparação com Portugal, o país apresenta um rácio de infectados reduzido: com quase o dobro da população, a Roménia tem actualmente cerca de um terço de doentes com a covid-19. No entanto, para alguns portugueses que competem no principal campeonato romeno de futebol, os efeitos da pandemia estão a ter um impacto económico extraordinário: servindo-se da legislação que entrou em vigor com a implementação do estado de emergência no país, alguns clubes suspenderam os contratos com os seus atletas. Como resultado desta medida, há jogadores portugueses que tiveram um corte de 95% no seu salário.

A decisão não é transversal aos 14 clubes do principal escalão do futebol romeno, mas cerca de metade já avançou com a medida. Depois do presidente da Roménia, Klaus Iohannis, declarar o estado de emergência em todo o país, uma das medidas aprovadas pelo Governo romeno foi a possibilidade de as empresas suspenderem temporariamente o contrato com os seus profissionais, que, com essa medida de excepção, passam apenas a receber um subsídio estatal de 2400 leus (aproximadamente 496 euros).

A norma legislativa acabou por ser aplicada por alguns clubes romenos e, um deles, foi o FC Hermannstadt, equipa que conta no seu plantel com seis portugueses (Cristiano Figueiredo, Emanuel Novo, Afonso Taira, David Caiado, Yazalde e Tiago Almeida), quase metade dos jogadores lusos que competem na I Liga da Roménia.

Em conversa com o PÚBLICO, David Caiado explica que os jogadores receberam “uma notificação por email” a 27 de Março, informando-os que os “contratos estavam suspensos”, sem que houvesse qualquer tipo de “diálogo ou tentativa de entendimento”: “Fomos obrigados a aceitar sem termos assinado nada.”

Salários em atraso

Para além do corte salarial, que no caso de um dos jogadores portugueses se vai traduzir numa redução de 95% do valor contratualizado, os atletas do FC Hermannstadt enfrentam ainda uma dificuldade suplementar: três meses de ordenados em atraso. David Caiado reconhece que quem vai “jogar para a Roménia sabe que é normal haver atrasos de um ou dois meses no pagamento de salários”, mas “com a actual situação, fica tudo mais complicado”.

Apesar de na Roménia ser possível rescindir o contrato com dois meses de remunerações em atraso, o médio, de 32 anos, explica que “numa altura em que se passa tanta coisa grave e com problemas tão sérios de saúde”, isso “não seria o mais correcto”. “Já estou há três anos na Roménia e já tive alguns atrasos, mas nunca me ficaram a dever um euro. Por isso, acreditamos que o clube irá pagar”.

Porém, com a “incerteza grande” que se vive, o jogador formado no Sporting não descarta nenhum cenário no futuro. “Cada jogador terá que pensar qual é a melhor situação para si nesta altura. Quero acreditar que vão cumprir os contratos, mas se isto se prolongar e se chegarmos a Junho ou Julho com tudo igual, posso, eventualmente, pensar em tomar outras medidas, até porque não excluo a possibilidade de voltar para Portugal”, conclui Caiado.

A viver a primeira experiência no estrangeiro, David Bruno admite estar a encontrar uma realidade à qual não estava habituado. O defesa, que no ano passado trocou o Tondela pelo FC Astra Giurgiu, diz que os responsáveis pelo clube optaram por não suspender os contratos, mas disseram aos jogadores que “queriam reduzir os valores dos salários”. “Suponho que estejam a avaliar a situação. Estamos às escuras, não sabemos nada.”

Embora saiba que “o momento é complicado para todos”, o atleta formado no FC Porto espera “que haja bom senso”, até porque “há quem se vá aproveitar do que se está a passar”. Se para Caiado os salários em atraso na Roménia não são novidade, para David Bruno também não foi uma grande surpresa. Com dois meses de ordenado por receber, o jogador do Astra conta ao PÚBLICO que quando foi “para a Roménia já sabia que, por norma, acontecem sempre atrasos”: “Já vim precavido. Sabia com o que podia contar.”

“No meu clube há jogadores romenos com estatuto que, às vezes, ainda falam do assunto, mas a maioria considera normal ter um ou dois meses de salários em atraso. Na fase regular estivemos em primeiro lugar, com oito ou nove vitórias seguidas, e continuamos com ordenados em atraso. Nem por isso nos deram um bónus e regularizaram a situação”, conta o defesa, de 28 anos, que antevê dificuldades acrescidas no futuro para o futebol romeno: “Em Portugal, com a intermediação do sindicato, está a ser procurada uma estratégia conjunta. Na Roménia cada um decide por si e no futuro parece-me que aqui será tudo mais complicado. Os clubes romenos não são bem geridos.”

Por tudo isto, David Bruno desabafa que embora neste “momento não faça muito sentido rescindir”, não sabe “o que vai acontecer”. “Para já é prematuro. Ainda posso fazer alguns jogos. Mas, no final da época, pode fazer mais sentido.”

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