Uma Europa desigual no apoio aos seus sectores culturais

Entre a resposta musculada da Alemanha ou de Inglaterra, a luta francesa pela sobrevivência do seu sistema cultural e a exasperação dos agentes culturais espanhóis perante o que vêem como inacção, a reacção à paralisação da Cultura tem no “velho continente” várias matizes.

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Mural em Berlim Adam Berry/Getty Images

Se um freelancer, como o são tantos agentes culturais, vê desaparecer na totalidade os seus rendimentos perante as medidas de confinamento adoptadas para combater o coronavírus, bastará submeter o seu caso aos serviços competentes e candidatar-se a assistência imediata disponibilizada a freelancers ou proprietários de pequenos negócios. Assim acontece neste momento na Alemanha. Já em Portugal algumas medidas sofrem forte oposição, como o TV Fest, anunciado esta quarta-feira e cancelado um dia depois, e o sector pede um reforço das medidas já anunciadas para fazer frente à crise. Em Espanha, por seu lado, os agentes culturais “perdem a paciência” perante a “inacção” do Governo e exigem-lhe que tome medidas concretas para apoiar o sector, noticiava quinta-feira o El Mundo​. Nesta questão, como em quase tudo, a Europa responde à crise de forma desigual.

Em Março, o Estado alemão anunciou um impressionante pacote de 50 mil milhões de euros para o apoio a freelancers e empresas com até dez trabalhadores, categoria em que se incluem, naturalmente, muitos dos profissionais e estruturas que integram o tecido cultural — o New York Times contava recentemente a história de um fotógrafo berlinense que, três dias após requisitar apoio, recebeu 5000 euros na sua conta. A esta medida de carácter global, definida pelo Governo alemão, juntam-se as tomadas regionalmente em cada um dos Länder em que se divide o país, e outras de carácter sectorial — no início deste mês, foi anunciado um pacote de 16 milhões de euros para apoiar cinemas e seus profissionais. “A coragem criativa dos artistas pode ajudar a ultrapassar a crise”, afirmava em comunicado, dia de 23 de Março, a ministra da Cultura alemã, Monika Grütters, enfatizando: “Os artistas não são indispensáveis, mas vitais, especialmente agora.”

Olhando para aquilo que acontece na Alemanha ou em França, cujo ministro da Cultura, Franck Riester, anunciou no final de Março uma linha de apoio de emergência de 22 milhões de euros, sendo 10 milhões atribuídos à área da música, cinco milhões à indústria de espectáculos ao vivo, cinco milhões ao sector livreiro e dois milhões às artes plásticas — “é a sobrevivência do nosso sistema cultural que está em causa”, afirmou então —, os representantes das indústrias culturais espanholas mostram exasperação perante a actuação do seu Governo e respectivo Ministério da Cultura.

Os 20 milhões a canalizar para apoio a freelancers e empresas, anunciados a 25 de Março, são vistos como insuficientes e esperava-se que o ministro da Cultura e dos Desportos, José Manuel Rodriguez Uribes, anunciasse novas medidas, como um muito reclamado pacote de apoios directos, numa conferência de imprensa que teve lugar esta quinta-feira. Tal, porém, não aconteceu. “Parece que existe em Espanha uma fobia em investir uma pequena parte do orçamento público no apoio ao tecido da cultura”, explicava ao El Mundo o galerista Manuel Fernández-Braso, da associação Artmadrid. “Não é ampliar o capital nem engordá-lo aquilo que pretendemos, mas simplesmente algum tipo de garantia que continuará aqui quanto regressarmos do confinamento”.

A Itália, que forma com Espanha a dupla de países mais afectados pela pandemia, lançou em Março um apoio de 600 euros aos freelancers ligados às artes performativas e criou um fundo de 130 milhões de euros para o apoio das mesmas, bem como do cinema e do sector audiovisual.

As pressões que sofre o sector cultural, cujas estruturas e agentes viram as suas actividades e receitas reduzidas quase a 100%, levaram os agentes culturais holandeses a endereçar uma carta ao seu Executivo, no final de Março, defendendo as medidas tomadas até ao momento (a doação de quatro mil euros a freelancers afectados pelo confinamento ou a suspensão das rendas de instituições alojadas em edifícios propriedade do Estado) como insuficientes para proteger o sector. Enquanto isso, a oposição à esquerda do Governo e vários artistas assinaram na mesma altura um manifesto em que reclamavam a criação de um fundo de emergência para o sector. O ministério da Cultura holandês estimou as perdas para o sector cultural entre os 60 e 100 milhões de euros por semana.

Em Inglaterra a resposta foi rápida e robusta. A 24 de Março, o Arts Council England anunciou que o tecido cultural teria 260 milhões de euros disponíveis para impedir a falência de artistas e o desaparecimento das suas estruturas. Aos freelancers do sector foi prometido que teriam direito, durante três meses, a 80% do seu rendimento médio mensal nos últimos três anos fiscais, com um tecto de 2500 libras (cerca de 2850 euros). A mesma ideia é seguida na Áustria, cujo Governo criou um fundo, acessível a artistas e instituições culturais, que tem como objectivo assegurar a subsistência dos mesmos. Tem a duração de três meses e um tecto máximo de 6000 euros por requerente.

Em Portugal, o Ministério da Cultura anunciou no dia 23 de Março uma linha de apoio de emergência para artistas e entidades no valor de um milhão de euros – uma medida cujo formato, o de um concurso de apoio à criação, já foi contestado por vários profissionais do sector, e nomeadamente pelo Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos (Cena-STE). Anteriormente, já havia sido garantida a manutenção da distribuição pela Direcção-Geral das Artes dos três milhões de euros para concursos que tinha orçamentados, bem como flexibilizadas algumas regras dos apoios concedidos pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual

Entretanto, a União Europeia (UE) reúne esforços conjuntos para apoiar a Cultura no continente. Da reunião, esta semana, dos ministros da Cultura da (UE) saiu a ideia de que, além dos programas especificamente dirigidos ao sector, cada Estado possa aplicar no seu tecido cultural verbas de programas gerais de apoio, como o Coronavirus Response Investiment Initiative, orçado em 37 milhões de euros, ou do fundo de 100 milhões de euros concebido pela UE para fazer frente ao desemprego provocado pela covid-19.

Notícia actualizada para explicitar o modelo do apoio de emergência anunciado pelo Ministério da Cultura

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