Creches apoiadas pelo Estado com “luz verde” para baixarem ou não mensalidades

Portaria publicada na semana passada deixa a cada instituição particular de solidariedade social a decisão de proceder ou não a descontos. Nos colégios a redução que está a ser proposta é de 10%, o que está a suscitar protestos dos pais.

Foto
As IPSS gerem a grande maioria das creches no país FRANCISCO ROMAO PEREIRA

O Governo entregou às instituições de solidariedade apoiadas pelo Estado a decisão de procederem ou não a descontos nas mensalidades das creches, que se encontram encerradas desde meados de Março, devido à pandemia da covid-19, estando por isso impedidas de prestar qualquer serviço às famílias.

Numa portaria publicada na passada sexta-feira, dia 3 de Abril, com o objectivo de regulamentar a atribuição “de apoios extraordinários” ao sector social, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSS) mantém a norma que dá a estas instituições “autonomia na redução dos encargos familiares”. E esclarece que as instituições particulares de solidariedade social, que têm a propriedade de quase 80% das 2750 creches existentes, podem aplicar à actual situação, descrita como “um período excepcional”, o regime de descontos previsto na legislação que regulamenta o apoio do Estado às IPSS.

Na sua versão mais actual, datada de 2019, esta legislação só considera que há lugar a uma redução das mensalidades quando se verifique um “período de ausência [por parte da criança] devidamente fundamentada” superior a 15 dias. Neste caso, a percentagem de redução prevista oscila entre os 10% e os 20%, valores para os quais a última portaria do MTSS também remete, embora adiante que as instituições, se assim o entenderem, poderão aplicar “percentagens de redução superiores” às que se encontram definidas.

Nas creches, destinadas a crianças até aos três anos, apoiadas pelo Estado as mensalidades pagas pelas famílias podem oscilar entre 33 euros e 384 euros.

Numa carta dirigida aos responsáveis das IPSS, a propósito deste novo diploma, o presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), padre Lino Maia, frisa que a “orientação geral” agora dada pela tutela “vem responder a muitas das questões que têm sido colocadas pelas instituições sobre as comparticipações familiares”, indo também ao encontro das orientações já transmitidas por esta organização.

“Temos aconselhado a que sejam feitos descontos, mas não nos compete dar indicações, pelo que fica aos critérios de cada instituição. Não posso afirmar que exista um consenso”, especificou Lino Maia ao PÚBLICO, adiantando que também não pode falar em números porque os desconhece.

Na conferência de imprensa desta quinta-feira onde anunciou as medidas para as escolas, e questionado pelos jornalistas sobre o pagamento das mensalidades das creches que continuam fechadas, o primeiro-ministro, António Costa, indicou que essa é uma pergunta para os proprietários destes estabelecimentos, “dos quais só cerca de 30% são entidades privadas”.

O que ficou já garantido, por via da portaria de 3 de Abril, é que o Estado vai manter na íntegra, durante os próximos três meses, “o montante da comparticipação financeira da segurança social devida às instituições, nas respostas suspensas”. No caso das creches, este valor ronda os 274 euros por criança. Para além destes subsídios, as IPSS poderão também concorrer em simultâneo ao actual regime de lay-off, de modo a receber os apoios extraordinários atribuídos pelo Estado para garantir a manutenção dos postos de trabalho.

Colégios com descontos de 10%

Também há colégios que estão já a colocar pessoal não docente em lay-off, que passam assim a receber 66% do seu vencimento ilíquido, dos quais 30% são pagos pelo empregador. A Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) indicou ao PÚBLICO que desconhece ainda quantos colégios já recorreram àquele regime e também quantos trabalhadores destas entidades estarão já em lay-off.

Segundo na Aeep, os colégios abateram no valor das propinas os serviços que não estão a ser prestados com a alimentação ou transportes, mas ao que o PÚBLICO apurou apenas parecem dispostos a abater 10% às mensalidades relativas ao ensino entre o 1.º e o 12.º ano de escolaridade. Esta proposta tem suscitado protestos por parte dos pais. As propinas nestes colégios podem oscilar entre 500 e mais de mil euros.

Por exemplo, tanto nos Salesianos do Estoril como no Colégio Marista de Carcavelos, entre outros, foram lançadas petições onde se propõe que a redução a ser praticada seja de 30%, frisando os pais que este valor seria justo e ajustado para ambas as partes (escola e famílias), “permitindo à escola continuar também a garantir o seu compromisso com os seus trabalhadores”.

Os pais frisam que, “apesar do esforço dos professores, a escola online e os trabalhos enviados por email não são suficientes para garantir aos alunos tudo o que necessitam para o processo de aprendizagem”. E lembram que também eles estão a viver “numa situação crítica, uma vez que ou têm de continuar a trabalhar em condições adversas para garantir a subsistência das empresas nas quais trabalham ou dos seus próprios negócios ou estão neste momento em licença para assistência à família, com cortes significativos no seu rendimento”.

"Drama humano"

Também a Associação de Pais do Colégio Nossa Senhora do Rosário, no Porto, adianta que já transmitiu à direcção “a preocupação dos pais relativamente à crise económica e à sua repercussão nas famílias”: “A direcção mostrou-se sensível ao apelo e, neste momento, aguardamos uma resposta.” A directora deste colégio, que nos últimos anos tem liderado os rankings, esclarece que a redução das mensalidades destinadas ao ensino foi de “10% em Abril para todos os níveis de escolaridade, estando-se a avaliar a situação para o mês seguinte”. Susana de Sousa informou que o colégio já se candidatou “ao regime de lay-off simplificado para uma parte dos seus colaboradores”.

Da parte do St. Peter’s International School, em Palmela, o administrador Diogo Simão indicou que “o colégio está a dar resposta de forma individual a todas as famílias que contactam a direcção no sentido de moldar uma solução colaborante e responsiva à realidade de cada um na parte financeira”, acrescentando que foram já aplicados descontos de 30% e 15% nas mensalidades da creche e jardim-de-infância.

A postura do colégio tem sido “a de que os pais aceitem pagar por um cenário de ensino remoto o mesmo que pagavam pelo ensino presencial, independentemente das diferenças brutais entre os dois métodos, e também indiferentes à catástrofe económica que estamos a viver”, denunciam alguns dos pais deste colégio bilingue, que têm insistido numa redução de 30% a 40% do valor das propinas cobradas nos outros níveis de ensino. “Existe aqui um autismo e uma indiferença ao drama humano, social e económico que é absolutamente indescritível, ainda para mais numa escola que reclama ter uma matriz católica e cristã”, frisam. Diogo Simão contrapõe, afirmando que o sucesso do ensino à distância “foi pleno”, com uma taxa de participação dos alunos da “creche ao secundário” que oscilou entre “85% e 100%”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários