A economia e as empresas depois da covid-19

Recuperar desta crise económica em que entramos exige prevenir e ajudar as pessoas a recuperarem e a desenvolverem as suas competências para um futuro de desenvolvimento económico com coesão social.

Temos que mostrar que aprendemos com as crises recentes, económica de 2008 (com taxa de crescimento do PIB de -4%) e a catástrofe dos incêndios de 2017. Em ambas, para além dos custos directos com insolvências, destruição de património natural ou edificado ou perdas financeiras generalizadas, estas crises resultaram em perdas de grande dimensão decorrentes da disrupção de muitas vidas, com as perturbações físicas e psicológicas que daqui decorreram.

Se o ministro das Finanças, Mário Centeno, tiver razão (como os últimos dados pareciam confirmar) e o país estiver melhor e mais preparado para lidar com esta crise da covid-19 como nunca esteve em qualquer outra, então a resposta de Portugal incluirá finalmente o reforço dos serviços públicos de psicologia do SNS, com destaque para os Cuidados de Saúde Primários, bem como uma estratégia e agenda concertada, transversal e transministerial de prevenção e de desenvolvimento das pessoas, enquadrada nas recomendações internacionais e na evidência científica. Isto também é válido para o sector privado, onde as empresas talvez possam agora perceber melhor que o papel do psicólogo do trabalho e das organizações não pode ser substituído pelo de coachs não psicólogos e afins.

Nunca se falou tanto de comportamentos como agora, mas eles sempre estiveram aqui e os psicólogos sempre foram profissionais especializados em comportamento, disponíveis não só em tempo de crise, mas também em tempos de recuperação e crescimento, trabalhando para a prevenção das crises e para estarmos mais preparados para lhes resistir. Lembram-se agora todos da importância da prevenção de riscos psicossociais, nomeadamente do stress e burnout? E está mais claro que sensibilizar não chega para mudar comportamentos? A recuperação económica do país será tanto mais rápida quanto ajudarmos os muitos milhares de portugueses com intervenção psicológica disponível e acessível. Não, não é só para quem tenha desenvolvido uma perturbação mental, é para quem possa, de forma expectável, ter maior dificuldade em ultrapassar os obstáculos acrescidos que estas situações colocam, com redução de salários, desemprego, perda de património, divórcios, adaptação a novas formas de trabalho e tarefas, conciliação das mesmas com gestão de dependentes (quer sejam mais novos ou mais velhos), a novos modelos de negócio, a equipas mais pequenas e às suas entradas e saídas, entre outros.

Adaptar-se é mudar comportamentos. É, também, garantir recursos (e resiliência) para lidar mais eficaz e funcionalmente com maior ansiedade e stress e com novas tarefas de diferente complexidade, prevenindo situações de depressão ou burnout.

Isto envolve mudança de atitude e comportamentos. É para prevenir, de modo a que a resposta não venha apenas sob a forma de medicação e depois de muito sofrimento (algum dele evitável) e de muitas perdas de produtividade e desempenho. Depois de vidas interrompidas, algumas para não serem retomadas, ou no trabalho ou de todo.

Estudos realizados após a crise de 2008, na Grécia, Irlanda e outros países, parecem apontar para um aumento de 0,79% de suicídios para cada 1% de aumento no desemprego, resultados estes em linha com outros estudos que apontam para um risco de suicídio duas a três vezes maior entre desempregados. Este pode ser o final mais grave de muitas estórias, mas acresce a muitas outras situações parciais, total, temporária ou permanentemente incapacitantes, de perturbação mental ou comportamental.

Recuperar desta crise económica em que entramos exige prevenir e ajudar as pessoas a recuperarem e a desenvolverem as suas competências para o futuro de desenvolvimento económico com coesão social, mas isso não é para fazer de conta, é de acordo com a evidência científica. Recuperar desta crise pandémica exige que um país de parcos recursos económicos não desperdice, devido a não prevenir stress, burnout e outras perturbações psicológicas, nos locais de trabalho, nas empresas, milhares de milhões de euros por ano – sublinho, milhares de milhões de euros por ano. Exige sim avaliar os riscos comportamentais e optimizar o desempenho nas organizações. Sabia? Este não é o momento para continuar a desperdiçar recursos.

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