A rotativa que poderá fazer um mundo melhor

Nós, os jornalistas, também somos trabalhadores. Iguais aos tipógrafos que pela noite dentro trabalham para que o país conheça os nossos textos, as nossas fotografias e as nossas infografias. Mesmo em tempos de isolamento por causa da pandemia do novo coronavírus, há quem não consiga ficar em casa. A crónica fotográfica Picar o Ponto apresenta sete profissões que não podem parar.

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Adriano Miranda
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Uma da manhã. O segurança diz-me para esperar. Agradeço e fico no largo parque de estacionamento. Uma carrinha branca sai. Adivinho que vai percorrer o Norte do país a distribuir jornais. O Correio da Manhã já foi impresso. Com um ar bem-disposto, António dá as boas vindas. “Chegou mesmo a tempo. Estamos a imprimir o PÚBLICO.”

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Por corredores estreitos chegamos à nave. Um monstro faz barulho. Quem não conhece a famosa rotativa. A máquina, que a uma velocidade doida, imprime 30 mil jornais em apenas uma hora. Os tipógrafos colocam as chapas num tambor. António manda esperar. “Está aqui o fotógrafo do PÚBLICO.” E com uma vaidade latente explica todo o processo. Subi as escadas de metal e os dois trabalhadores começaram a colocar as chapas. Aviso que podem fazer tudo normalmente. Sem compassos de espera para a fotografia. “É como se eu cá não estivesse.”

Depois de dado o ok, a rotativa começa a rodar. Rodar. Rodar. E a velocidade aumenta. Numa cabine cheia de botões que faz lembrar os controladores aéreos, quatro tipógrafos retiram jornais. Apressadamente vão abrindo página a página. Um rápido controle de qualidade. Os primeiros parecem uns mata-borrões. Mas depressa a impressão fica no ponto. Depois de agrafados numa máquina também enorme, os jornais fazem a sua primeira viagem. Numa espécie de linha de montagem, vão deitados e sobrepostos. Até à distribuição. Uns vão para os assinantes. Outros vão para as bancas. Homens de batas azuis constroem torres de papel em paletes. Outros preparam envelopes de plástico com nomes e moradas. Não há tempo a perder. O ritmo de trabalho é sempre acelerado. Contagiados pela rotativa.

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Brevemente outra carrinha branca chegará. Percorrerá uma rota conhecida. Mas em tempos de pandemia, serão menos os embrulhos com jornais deixados às portas dos postos de venda. Mais de dois mil já encerraram. Mas os jornalistas sabem o que fazer nas horas apertadas. Com o dever de missão, dão o peito às balas. Como tantos outros, trabalhadores que não param, embalados pela velocidade de tantas rotativas que salvam vidas, que alimentam vidas, que protegem vidas. E se há coisa que o vírus não consegue destruir é a solidariedade.

Nós, os jornalistas, também somos trabalhadores. Iguais aos tipógrafos que pela noite dentro trabalham para que o país conheça os nossos textos, as nossas fotografias e as nossas infografias. Também somos assalariados. Também somos precários. Também ficamos desempregados. Também ficamos em layoff. Também temos pulmões. Mas temos também a força que nos distingue, a força de querer “mostrar o mundo”. Embalados por essa missão, emanados do rigor que se impõe, não se pense que se vence o vírus sem jornalismo. Impossível.

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Podíamos ser melhores? Podíamos. No ar sente-se a falta da labuta dos que nos últimos anos foram despedidos, dos precários que estão agora sem trabalho, daqueles que são excelentes profissionais e que as leis do mercado colocaram do lado de fora. Sente-se mesmo a falta. Em tempo de guerra, todos somos poucos. Somos. Depois da tempestade teremos que saber que mundo queremos. Sem hesitações. Saberemos não deixar morrer esta paixão, que nos corre nas veias – jornalismo. O futuro será melhor. Mas só depende de nós.

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