Planeamento em Saúde em tempo de pandemia

Este é o momento para reflectirmos colectivamente, enquanto cidadãos, técnicos e instituições, sobre as estratégias a adoptar na fase de recuperação, na qual se prevê a gradual restituição do quotidiano pré-pandemia.

Como o leitor saberá no contexto actual, a Epidemiologia é uma das disciplinas fundamentais da prática de Saúde Pública. O Planeamento, enquanto instrumento, não é menos essencial ao nosso exercício profissional.

Perante a magnitude da emergência de Saúde Pública da presente pandemia de covid-19, poderá ainda parecer precoce pensar e planear o período pós-pandemia. Contudo, este é o momento para reflectirmos colectivamente, enquanto cidadãos, técnicos e instituições, sobre as estratégias a adoptar na fase de recuperação, na qual se prevê a gradual restituição do quotidiano pré-pandemia.

A notícia de que já estão a ser analisadas as estratégias de regresso à normalidade por um grupo de peritos é positiva, mas será também importante que tais cenários sejam publicados para que todos possamos discuti-los.

De facto, urge planear, com base na melhor evidência científica, as chamadas exit strategies, não só considerando o ponto de vista da saúde, mas também os aspectos económicos e sociais.

Centros de investigação e instituições académicas e governamentais europeias, como o Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC), estão a estudar as melhores abordagens ao levantamento das medidas de distanciamento social mais restritivas. Estas são genericamente as seguintes:

a) Aguardar pelo desenvolvimento, produção e disponibilização em massa de uma vacina ou tratamento específico para o coronavírus SARS-CoV-2, mantendo até lá medidas de distanciamento social.

b) Manter medidas restritivas até que a incidência de covid-19 diminua controladamente abaixo de um determinado patamar. Aí poderá alternar-se entre o relaxamento e a reposição das medidas de contenção, permitindo que a incidência oscile, mas sempre abaixo do limiar de sobrecarga da capacidade de resposta da prestação de cuidados.

c) Procurar identificar um conjunto de medidas que, quando combinadas, mantenham efectivamente a incidência de covid-19 abaixo do limiar de sobrecarga da capacidade de resposta da prestação de cuidados.

Indispensável à implementação destes tipos de estratégias será o necessário aumento da capacidade laboratorial, nomeadamente para a realização de testes de diagnóstico e de testes serológicos, já em fase de estudo em Portugal e que visam aferir a imunidade da população para o SARS-CoV-2. Outro aspecto fundamental a considerar será a necessidade do aumento da produção de Equipamentos de Protecção Individual, nomeadamente de máscaras, uma vez que o seu uso tenderá a ser mais generalizado.

No âmbito da Saúde Pública, o período pós-pandemia trará outro desafio substancial para quem pensa e operacionaliza o Planeamento em Saúde: projectar intervenções para reduzir o impacto negativo da esperada degradação das condições de vida na saúde da população portuguesa e minimizar as subjacentes iniquidades em saúde. Os grupos mais vulneráveis sofrerão o primeiro e mais profundo impacto do pós-pandemia e, por isso, é a eles que devemos, todos, estar mais atentos. Enquanto médicos de Saúde Pública cá estaremos para observar, medir e, sobretudo, intervir.

Planear em tempos de covid-19 é planear na incerteza, mas é também reconhecer que a realidade é mutável e que a intervenção de cada um de nós contribui para sairmos desta crise.

Já observámos que o empenho individual gera o sucesso colectivo: vimo-lo na fase de contenção; estamos a observá-lo agora, na fase de mitigação; e iremos constatá-lo na fase de recuperação.

O período pós-pandemia trará a necessária reflexão: que futuro queremos para as nossas instituições, para o nosso sistema de saúde e para a nossa sociedade?

Enquanto cidadã, técnica e dirigente associativa quero uma renovação, valorização e fortalecimento das instituições de Saúde Pública, com o devido aumento da autonomia técnica e de recursos humanos e financeiros. Quero um sistema de saúde mais resiliente que entende que o seu sucesso está no seu capital humano, que investe nos seus profissionais e nos cuidados preventivos. Quero, certamente, um reforço do financiamento para a investigação científica, pois uma sociedade que valoriza o conhecimento científico é seguramente uma sociedade mais preparada para enfrentar todos os desafios do futuro, incluindo ameaças à Saúde Pública.

Por agora, e enquanto não chega o desejado futuro pós-pandemia, tenhamos cada um a resiliência e a força de vontade para cumprir as missões que nos cabem. E como o empenho individual gera o sucesso colectivo: se o leitor puder, fique em casa, pois o tempo de reduzir as medidas de distanciamento social ainda não chegou!

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