Penas de prisão em Portugal são três vezes mais longas do que a média europeia

Relatório do Conselho da Europa mostra que as penas de prisão em Portugal continuam a ter uma duração muito superior às dos outros países europeus. A taxa de mortalidade nas cadeias também está entre os 12 países onde essa estatística é a mais elevada.

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Nuno Ferreira Santos

Portugal deixou de estar em situação de sobrelotação generalizada do sistema prisional como acontecia em 2016. Dois anos depois, a realidade da sobrelotação continua a existir mas nalgumas e não em todas as prisões. No entanto, Portugal destaca-se também pela negativa: na duração média das penas de prisão, muito acima do que acontece nos outros países europeus e na taxa de mortalidade nas cadeias, elevada no universo europeu, como já acontecia em anos recentes.

Estas são algumas das conclusões do estudo do Conselho da Europa publicado esta terça-feira, que reúne as estatísticas penais anuais dos 47 Estados-membros.

Segundo estes dados, a taxa de mortalidade registada em 2018 foi de 28,3 por 10 mil reclusos, o que coloca Portugal no 12º lugar na lista dos países analisados (aqueles que têm mais de meio milhão de habitantes), com 42 mortes por 10 mil pessoas encarceradas. A situação registou uma ligeira melhoria: em 2012, a taxa de mortes era de 50,5 por 10 mil reclusos em Portugal – praticamente o dobro da taxa média europeia de 26,3.

Quase 50 países

Em 2018, enquanto a média do tempo de prisão dos 47 países do Conselho da Europa ronda os 10, 6 meses, o tempo médio passado na prisão em Portugal aumentou. Em 2018 passou a ser 32,4 meses, quando em 2016 era 30,7 meses, ou seja três vezes o tempo passado na prisão em média na Europa. 

Portugal ocupa assim o segundo lugar na lista de países com penas médias mais longas no seio do Conselho da Europa, apenas ultrapassado pelo Azerbaijão.

Por ocasião da publicação deste estudo, a secretária-geral do Conselho da Europa, Marija Pejčinovič Burič​, lembrou a declaração de princípios do Comité para a Prevenção da Tortura (CPT) e pediu às autoridades competentes para recorrerem a medidas de substituição de penas de prisão, especialmente em situações de sobrelotação.

Reduzir risco de contágio

No mesmo sentido, a alta-comissária das Nações Unidas os Direitos Humanos Michelle Bachelet lançou recentemente um apelo aos Estados para encontrarem mecanismos de aliviar a pressão da pandemia da covid-19 nas prisões libertando reclusos. 

Em Portugal, o decreto anunciado para a libertação de reclusos a menos de dois anos de atingirem o fim da pena e dos que foram condenados a penas inferiores a esse período, entre outros, vai ser apreciado pelos deputados nesta semana.

Em causa está a possibilidade de alguns condenados a crimes que não envolvem violência física ou sexual sobre pessoas nem corrupção em altos cargos públicos, entre outros, poderem terminar o remanescente do tempo em prisão domiciliária com ou sem pulseira electrónica.

Também foi proposto um indulto a ser analisado pelo Presidente da República em situações de especial vulnerabilidade ou de idade avançada dos reclusos.

Crimes praticados

Nas tabelas sobre crimes praticados pelos presos e respectiva percentagem relativamente ao total, os roubos (que pressupõem uma acção violenta) e os furtos ocupam a parcela mais importante, com 11,6% e 16,8% do total dos encarcerados em 2018. Juntos representam mais de um quarto (28,4%).

Os 837 homicídios e tentativas de homicídio contabilizados representam 7,8% de todos os crimes cometidos pela população prisional – o que corresponde a um pouco mais de metade da média europeia (13,6%). Agressões de vários tipos e violação levaram 775 pessoas a cumprir pena no sistema prisional (7,3%).

Nestes dados destacam-se os 15,5% do total de presos na cadeia por crimes relacionados com tráfico de droga – são 1675 pessoas. Não existem dados disponíveis para os crimes económico-financeiros, mas todos os delitos relacionados com a condução na estrada chegam aos 7,8% (828 pessoas), acima dos 4,6% da média na Europa. Uma grande parcela (33,1%) do total está atribuída a “outros crimes” não especificados. 

Celas ou camaratas​

As medidas anunciadas pelo Governo para conter a epidemia nas prisões (medidas semelhantes às que foram aplicadas em França e noutros países) poderão tirar das prisões cerca de 10% dos mais de 12 mil reclusos, o que corresponderia a uma redução de cerca de 1200 presos.

A decisão, esclareceu a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, visa proteger da covid-19 os funcionários que trabalham nas prisões e evitar que os presos sejam contagiados, e não resolver o problema da sobrelotação das cadeias.

Quanto ao número de presos, o Ministério da Justiça tem apontado como um aspecto positivo o trabalho feito no sentido de baixar a sobrelotação. Com efeito, e de acordo com as estatísticas do Conselho da Europa publicadas esta terça-feira, no total do sistema não existem mais reclusos do que os lugares nas cadeias, como antes se verificava. 

Em 2016 o sistema prisional português, no seu conjunto, tinha 109 pessoas por 100 lugares. Em 2018, esse valor baixou para menos de 100 presos (99,5) por 100 lugares.

Ocupação global em baixa

Entretanto, o Ministério da Justiça enviou ao PÚBLICO os dados actuais mostrando que a tendência para essa descida se manteve: a 6 de Abril, ontem, havia 12.553 reclusos nas prisões portuguesas, o que equivale a uma ocupação de 97 pessoas por 100 lugares, inferior à verificada pelo Conselho da Europa em 2018 e até Janeiro de 2019. 

lei prevê que todos os reclusos estejam em celas individuais, o que não acontece na maioria dos casos: muitos estão em celas para duas ou mais pessoas ou em camaratas. Numa análise caso a caso, os dados mais recentes disponíveis no site da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais, mostram a realidade em Dezembro de 2018.

Cadeias como Caxias (com 575 presos para 398 lugares), Paços de Ferreira (com mais 159 pessoas do que lugares), ou o Estabelecimento Prisional do Porto, com 1070 presos para uma lotação máxima de 686 (mais 394 do que o previsto) eram então alguns exemplos de prisões sobrelotadas. 

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