A emergência do Estado de Direito

Não é admissível que as advogadas e os advogados – que são contribuintes, pagando os seus impostos – estejam excluídos dos apoios governamentais às atividades económicas

A pandemia da covid-19 está a ser um teste objetivo à capacidade que temos, como sociedade, para nos unirmos contra uma ameaça externa, mas também à capacidade que temos de nos organizarmos, sob condições adversas, continuando a observar e a garantir os princípios que enquadram a vida da nossa comunidade, ou seja, o que nos define como Estado de Direito.

No que à justiça diz respeito, as medidas de prevenção para limitar a disseminação da doença incluíram o encerramento, na prática, do sistema judicial, com a aplicação do regime de férias judiciais a todos os atos processuais e procedimentais praticados no âmbito dos processos, procedimentos, atos e diligências que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, tribunais arbitrais e demais entidades de resolução alternativa de litígios.

O problema é que a justiça constitui um dos pilares do nosso sistema e o estado de emergência, que já limita alguns direitos individuais, não pode deixar desprotegidos todos os cidadãos. Por isso, a justiça não pode ser “suspensa”. Não é admissível que o Estado de Direito seja colocado em quarentena!

No caso das advogadas e dos advogados, este combate está a ser um teste severo à sua resiliência, mas continua a encerrar em si um risco significativo para a profissão e, por via disso, para o acesso à justiça e para o seu exercício.

Para as advogadas e advogados, a primeira consequência desta quarentena forçada do sistema judicial, por tempo indeterminado – enquanto durar o período de exceção em que vivemos – conjugada com o dever de encerramento de instalações e de estabelecimentos, representou o desaparecimento, puro e simples, do mercado, de um momento para o outro.

O impacto é ainda mais significativo para aqueles que operam no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, que garante apoio no exercício dos seus direitos a quem não tem capacidade de o fazer autonomamente.

Depois da crítica insistente e dos recorrentes pedidos de mudança – feitos por diferentes órgãos da Ordem dos Advogados, como o Conselho Regional de Lisboa – o decisor político parece ter assentido reformular as medidas de contenção na justiça, limitando-as àquelas que podem constituir risco para os intervenientes. Acresce que há muitos procedimentos que já se faziam à distância e não há razão para que não sejam feitos agora e para que não se aprofunde essa tendência.

O sistema judicial pode, agora, dar os primeiros passos para voltar a laborar, mas, para que funcione, é necessário que seja instituído um período de adaptação para os agentes judiciais, nomeadamente, as advogadas e os advogados, porque as medidas de exceção continuam a ser implementadas e foram, até, reforçadas, obrigando ao uso de sistemas de comunicação à distância.

Além disso, é também preciso que o próprio sistema judicial, nomeadamente os tribunais, se preparem e se equipem para o recurso massivo a novas tecnologias, com aparelhos e revisitação de procedimentos. As entidades responsáveis – o governo – têm de proporcionar meios para que a justiça se possa fazer em pleno, apesar de com recurso a outros meios, sempre cumprindo as diretivas da Direção Geral de Saúde, mas solucionando problemas concretos dos cidadãos e assegurando a realização da justiça, essencial à sobrevivência de qualquer Estado de Direito.

A segunda consequência da quarentena judicial para as advogadas e os advogados está intimamente relacionada com a forma como a classe se organiza e com que mecanismos de apoio pode contar em período de crise, ou, como se tem comprovado, com a falta de apoios com que se confronta.

Pela sua natureza, a profissão obriga-se a sublinhar a sua independência, nomeadamente, mantendo um sistema próprio de proteção social, mas que não é assistencialista. Mais uma vez, estamos em face de uma situação de exceção, com efeitos transversais na sociedade, não sendo admissível que as advogadas e os advogados – que são contribuintes, pagando os seus impostos – estejam excluídos dos apoios governamentais às atividades económicas, perpetuando uma situação de menorização da classe.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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