Hungria: porque não se fala (também) do Conselho?

É incompreensível que, com o art. 7.º aberto, não haja uma crítica ao Conselho Europeu e aos chefes dos executivos por nada terem feito.

1. Falamos da gravíssima decisão do Governo húngaro de avançar para um estado de excepção de duração indefinida, restritivo da liberdade de imprensa, quase sem controlo parlamentar. Comecemos pelo princípio e pelo principal. Abaixo, irei, pela enésima vez, à questão do PPE e do PSD. Comecemos, então, por onde se deve começar.

Será que jornalistas, comentadores e usuários das redes sociais em geral sabem que, desde Setembro de 2018, foi activado um processo contra a Hungria por violação dos valores fundamentais da União Europeia (Estado de Direito e democracia)? E que foi a primeira vez que o célebre processo do art. 7.º do Tratado foi aberto? E que foi iniciado por uma expressiva maioria do Parlamento Europeu (com os votos do PSD)?  

Uma vez aberto o procedimento de censura, cabe ao Conselho declarar que há um manifesto risco de violação daqueles valores. Para este efeito, não é preciso unanimidade, mas bastam 4/5 dos Estados. E, a partir daí, o Conselho Europeu pode avançar para uma decisão que atesta a violação persistente e grave daqueles valores. Essa sim, já uma decisão que requer unanimidade (com exclusão do Estado visado). Saberão ainda que, em cima desta decisão, mas já só por maioria de 4/5, podem ser decretadas sanções ao Estado violador (privando-o até do voto)?

2. Estes instrumentos estão nas mãos do Conselho há mais de um ano e meio. Durante todo este tempo, que fez o Conselho? Que reuniões promoveu, que decisões tomou, que sanções tentou aplicar? Porque esteve literalmente inerte e silente? Alguém ouviu um chefe de Governo de esquerda, de centro ou de direita dizer, insinuar ou sugerir algo? E já que somos portugueses, o que disse até à semana passada António Costa? A passividade e tolerância do Conselho, como dos seus membros a título individual, não merece censura e crítica por parte de quem tão legitimamente se preocupa com a democracia húngara?

Alguns dirão, nada foi feito e nada foi dito porque seria exigida unanimidade, e como a Polónia está a braços com um processo idêntico (movido pela Comissão), a unanimidade nunca poderia ser atingida. Eis um erro, pois para activar o primeiro patamar (risco manifesto de violação) bastam 4/5 dos Estados-membros. Só isso, seria um aviso sério e um factor de pressão eficaz. Concentremo-nos no argumento da unanimidade, que é válido para o patamar seguinte. Se 25 ou 26 Estados tivessem votado pela existência de violação grave e persistente, mesmo sem ter a unanimidade exigida, isso não seria uma pressão poderosa – poderosíssima! – sobre o Governo húngaro? Com uma situação dessas, não terminaríamos num impasse! Nenhum governo suportaria a censura assumida por quase todos os seus parceiros…

3. É incompreensível que, com o art. 7.º aberto, não haja uma crítica ao Conselho e aos chefes de executivo por nada terem feito. Eles têm uma capacidade de influência e de pressão incomparável. Basta pensar na censura que, em 2000, foi feita à Áustria quando o chanceler Schüssel fez a coligação com o partido de direita radical de Jörg Haider. À época, não foi preciso nenhum instrumento jurídico formal: bastou a vontade política dos principais líderes europeus. A situação húngara deteriorou-se muito ao longo destes anos, mas nos últimos três é cada vez mais séria. Os Estados-membros têm desde 2018 uma via jurídica nas suas mãos, que recusaram usar. Se não a queriam usar, podiam ao menos actuar politicamente (copiando esse precedente). Fizeram-no? Não. Alguém fala disso? Também não.  

4. A par disso, seria bom que o PPE, família política em que, embora suspenso, se integra o Fidezs, tivesse já actuado mais fortemente do que tem feito. Estou à vontade, porque, como aqui expliquei em dezenas de ocasiões, desde 2012, tenho sido altamente crítico e, desde 2016, tenho sustentado a sanção de expulsão. Os votos no Parlamento, de resto, corroboram esta posição constante, tendo o seu cume no já citado voto da activação do art. 7.º.

Na discussão gerada, o ponto mais relevante, e que ninguém refere, é o que segue: a 4 de Março de 2019, o PSD, pelo punho do seu actual presidente e em carta individual, requereu a abertura do processo tendente à expulsão do Fidezs, activando o art. 9.º dos Estatutos. Embora os representantes do PSD se tenham pronunciado e votado pela expulsão, esse processo levou apenas à suspensão “sine die” do Fidezs, até que houvesse motivos de revisão da mesma. Na passada quarta-feira, o presidente do PPE, Donald Tusk, escreveu motu proprio a todos os líderes nacionais, dando conta de que, em face desta anómala declaração de estado de excepção, convocará uma assembleia política para rever a decisão de suspensão, sugerindo que já haverá uma maioria no sentido da expulsão. A carta dos treze, como é conhecida, visava isto mesmo, mas foi escrita um dia depois. Eis a razão pela qual os líderes dos partidos polaco, irlandês e português, que, em 2019, activaram o dito art. 9.º, entenderam que não faria sentido “tirar o tapete” ao presidente Tusk (que, de resto, é um conhecido antagonista de Viktor Orbán).

5. Convém ademais esconjurar as observações demagógicas e infantis, que fazem de conta que não estamos vinculados a representar o interesse nacional. Do género, “se são críticos, porque não saem do Grupo ou dos cargos?”. Mal comparado, tinha de se exigir a Costa e a Sánchez que boicotassem as reuniões do Conselho até que Orbán saísse… Ou do tipo, porque falam de outros países, sempre que se fala da Hungria? Porque, por exemplo, não se pode esquecer os assassinatos de jornalistas ligados aos Governos da Eslováquia e de Malta!

6. Há um ponto em que sou bastante crítico do Grupo PPE, embora não o tenha visto levantado. Apesar da suspensão no partido, os deputados do Fidezs não estão suspensos no Grupo Parlamentar. Tenho-me batido por esse imperativo de coerência. E por isso, neste contexto de agravamento, acabo de assinar uma carta, com mais 12 chefes de delegação nacional, a exigir, pelo menos, esse passo.

SIM. PSD e Rui Rio. O PSD propôs um pacote de medidas de apoio à economia. Como, aliás, os eurodeputados na esfera europeia. Uma atitude construtiva, que corrige insuficiências óbvias do Governo.

NÃO. Mário Centeno. Ao atirar os “coronabonds” para as calendas gregas, o presidente do Eurogrupo desiste antes do tempo e faz o jogo daqueles que a Costa repugnam. Governo luso, em que ficamos afinal?

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