Uma outra escola?

Os mais prejudicados com o encerramento físico das escolas podem ser, assim, os alunos mais frágeis, para os quais deveriam existir novas medidas de apoio, mesmo que venham a ultrapassar o calendário letivo formal.

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Sergio Azenha

O relatório “Efeitos da Crise do Coronavírus na Educação”, da Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI), contém questões pertinentes sobre as consequências da suspensão das atividades letivas presenciais. O problema, no caso europeu, é o da conclusão do ano escolar e nos países da América do Sul é o do seu início, ou da sua interrupção, após cumpridas as primeiras semanas.

Mesmo assim, as situações decorrentes da atual suspensão têm em comum o grande desafio de substituir o ensino presencial pelo ensino a distância (em Portugal, regulamentado pela Portaria n.º 359/2019 – para os ensinos básico e secundário), mais concretamente, um modelo de ensino e aprendizagem virtual, mediado por recursos tecnológicos e com atividades síncronas e/ou assíncronas.

Estas situações respondem também à necessidade de manter as crianças e os jovens em casa na condição de alunos, isto é, a escola permanece aberta, mas com atividades de aprendizagem, que são potencializadas na sua diversidade pelas tecnologias digitais. Se a reabertura formal das escolas for mais demorada, os países com exames nacionais no ensino secundário têm um problema acrescido, na medida em que estes têm, por norma, um efeito direto no acesso ao ensino superior.

Sabe-se que a escolas são surpreendentes no modo como lidam com realidades extraordinárias e que a sua resiliência é um aspeto bastante positivo para este tempo difícil, que exige soluções urgentes e adequadas.

No Relatório da OEI são analisados, entre outros, três aspetos relativos ao “encerramento das escolas”, traduzido nestas perguntas: Que efeitos pode ter no rendimento académicos dos alunos? Como afetará o abandono escolar? Que medidas são necessárias para reduzir o seu impacto educativo e social?

Num contexto ideal, em que o ensino distância fosse utilizado juntamente com o ensino presencial, os efeitos seriam quase nulos, a não ser na questão dos exames nacionais, obrigando a repensar os conteúdos da avaliação, bem como, a longo prazo, as condições de acesso ao ensino superior.

Porém, a realidade é bem diferente, em todos os países. Apesar da existência de projetos inovadores, apesar do papel crescente das tecnologias digitais nas atividades de aprendizagem, a escola é presencial no modo de ensinar e aprender. O recurso às plataformas seria um modo de generalizar o uso de ferramentas de trabalho tão úteis à aprendizagem, permitindo a sua personalização e individualização e exigindo mais compromisso aos alunos nesse processo, o que pressupõe a capacidade de utilizarem, de modo autónomo e responsável, a bússola da aprendizagem, como propõe a OCDE.

Sabe-se que o ensino a distância, assim como a realização online de tantas outras tarefas de organização escolar que envolvem os professores, é uma das mudanças pós-covid-19 com mais impacto na escola. Porém, a questão a discutir não está apenas na tecnologia, mas também na redução do número de horas letivas – e Portugal está acima da média da OCDE –, na capacitação dos professores para o uso das tecnologias digitais e nas alterações curriculares, algumas já em curso, com a implementação de aprendizagens essenciais em função de um perfil de competência dos alunos.

Nem tudo se pode ensinar e nem tudo se pode aprender na escola; contudo, a escola continuará a ser o espaço mais significativo de educação e formação, importância que é reforçada pelo uso das tecnologias digitais, numa bem-sucedida articulação pedagógica de atividades realizadas numa realidade física e numa realidade virtual.

Por outro lado, se o fator socioeconómico tem sido reconhecido como determinante no sucesso dos alunos, o ensino a distância torná-lo-á, decerto, ainda mais relevante, dado que há alunos sem acesso à Internet e com equipamentos obsoletos. Os apoios pedagógicos são essenciais para os alunos com dificuldades de aprendizagem e essa é, sem dúvida, a marca de qualidade da escola pública. Muito embora as tecnologias digitais tenham um elevado potencial de resposta para esse problema, é conhecida a importância do ensino presencial para que todos os alunos sejam incluídos com sucesso na escola.

Os mais prejudicados com o encerramento físico das escolas podem ser, assim, os alunos mais frágeis, para os quais deveriam existir novas medidas de apoio, mesmo que venham a ultrapassar o calendário letivo formal. Em muitos países sul-americanos, e em casos que exigem mais tempo de aprendizagem, a medida tem sido implementada com bastante sucesso. E tem de haver a certeza que todos os alunos regressam à escola, mesmo aqueles que pertencem a grupos mais problemáticos, pelo que é necessário ter uma preocupação redobrada, devido aos efeitos económicos da presente crise. Daí que a suspensão das atividades letivas presenciais tenha um impacto potencial no comportamento dos alunos, com tendência para os de estratos mais desfavorecidos poderem desistir mais facilmente da escola.

Outro lado importantíssimo no ensino a distância é o dos pais, cujo papel terá de ser mais valorizado para que os seus educandos possam cumprir com sucesso as atividades escolares. Se nem todos apoiam ou podem apoiar do mesmo modo, pertence-lhes a responsabilidade de exigir aos filhos quer o tempo de estudo necessário, quer a realização das tarefas escolares. Face às diferenças existentes no acesso às tecnologias digitais e à Internet, e para que a escola também mude efetivamente, cabe ao Estado propor incentivos, por exemplo, ao nível fiscal, como recomenda o Relatório da OEI, para que as tecnologias digitais, enquanto eixo prioritário das políticas educativas, sejam a base da nova escola que está a surgir.

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