Coronavírus: uma lua-de-mel sem fim à vista, inferno ou paraíso? Casal viajou para as Maldivas em plena pandemia

A pandemia foi declarada a 11 de Março, mas ainda assim o casal Freitas, da África do Sul, conseguiu chegar a 22 de Março ao “paraíso”. Vão em três semanas de lua-de-mel no Índico.

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Uma das fotos de promoção do resort Cinnamon Velifushi Maldives

É, provavelmente, o sonho de muitos: ficar “preso” numa ilha paradisíaca - e ainda para mais num resort de cinco estrelas. O sonho é, neste momento, a realidade de Olivia e Raul de Freitas (nomes em português, nacionalidade sul-africana), relatada no norte-americano The New York Times (NYT). Chegaram às Maldivas no dia 22 de Março para a lua-de-mel: seis dias de luxo, entre águas translúcidas do Oceano Índico, numa das mais mil pequenas ilhas do país. Continuam por lá e a realidade beliscou o sonho (mas nem tanto).

Nas Maldivas esperava o casal, ela 27 anos, professora, ele, 28, talhante, o resort Cinnamon Velifushi Maldives, que ocupa a sua própria ilha, uma língua de areia que cresce em passadiço onde se alinham os bungalows sobre a água, e preços que começam nos 685€ por noite. Banhos de sol e mergulhos, snorkelling, observação de golfinhos, visitas a outras ilhas – o menu para a lua-de-mel. Até que uma semana depois se viram sozinhos no resort – eles e todos os funcionários, obrigados a permanecer: o Governo não permite que os funcionários saiam dos resorts até passarem por uma quarentena que só se inicia quando os últimos hóspedes partirem. Os dias tornaram-se iguais: dormir até tarde, snorkel, piscina - em loop.

Reis num reino muito sui generis, Raul e Olivia tinham séquito a servi-los - um séquito inquieto com o pouco trabalho e a solidão. O casal passou a centrar todas as atenções: o empregado do quarto passava cinco vezes por dia, para assegurar-se de que estavam bem e tinham tudo o que precisavam; a equipa do restaurante montava diariamente jantares à luz de vela na praia; todas as noites, um espectáculo no restaurante principal; a cada pequeno-almoço, nove funcionários à volta deles; a cada refeição um vaivém de empregados, chefs, atentos ao mais mínimo detalhe; bebidas oferecidas ainda que as anteriores estivessem bem cheias nos copos. A cada avistamento do instrutor de mergulho, o pedido para que fizessem snorkeling. A cada dia, o intensificar da sensação perturbadora de percorrer os espaços vazios de um local que deveria estar cheio (uma espécie de “Shining” equatorial, talvez?). Olivia e Raul passaram a trocar as cadeiras de praia abandonadas sob o sol inclemente pelo pingue-pongue e o snooker. Raul juntou-se ainda aos funcionários em jogos de futebol.

Incrível, mas…

“É incrível que estejamos a ter este tempo extra”, confessa Olivia de Freitas, que durante anos sonhou com “esta” escapadela romântica. Mas… O casal, reconhece, teve dúvidas na hora de viajar. As notícias do agravamento das restrições às viagens por todo o mundo por causa do novo coronavírus deixaram-nos alerta, contudo, nada que os afectasse especificamente havia sido anunciado. O agente de viagens assegurou-lhes que fossem qual fossem as medidas implementadas, todos os cidadãos sul-africanos teriam permissão para regressar. Avançaram.

Três dias no paraíso e a notícia de que no dia seguinte todos os aeroporto da África do Sul iam encerrar. Feitos os cálculos de todas as viagens necessárias a conclusão foi rápida: seria impossível regressarem a casa a tempo. Enquanto viam os outros hóspedes do resort a conseguir, de uma maneira ou outra, regressar aos seus países, começaram a pensar em tentar a sua sorte no aeroporto. Foi na altura em que as Maldivas anunciaram o fecho das suas fronteiras - com medo de não lhes ser permitido voltar ao resort, ficaram.

Raul de Freitas, o marido, manteve-se calmo: tudo se iria resolver e, afinal, estavam no paraíso. A mulher partilhava um pouco desse sentimento mas não conseguia sacudir a sensação de que poderiam estar prestes a entrar no vórtice de um pesadelo logístico. Contactaram o consulado sul-africano no país e a embaixada mais próxima, no Sri Lanka. Foram informados de que outros 40 sul-africanos estariam nas Maldivas e que a única opção para regressar a casa seria contratar um voo charter – com as despesas a correr por conta própria. Valor: 100 mil euros.

O valor seria dividido por todos os passageiros mas o Governo só tinha conseguido contactar metade dos possíveis interessados e, desses, muitos não podiam ou recusavam-se a pagar. Menos interessados, maior a despesa para os interessados, e ainda assim, o voo não tinha sido aprovado pelo Governo das Maldivas, onde depois do pânico inicial causado pela infecção de um turista, que levou à quarentena, houve cerca de duas dezenas de casos de Covid-19 e a maioria já curados.

Depois de adiamentos em relação ao voo que os cidadãos sul-africanos tentaram fretar – primeiro marcado para dia 1 de Abril, depois para dia 6 –, no dia 5 receberam da embaixada uma notificação para fazerem as malas. Tinham uma hora para sair do resort e serem transportados para outro resort, cinco estrelas, onde todos os turistas sul-africanos estavam a ser reunidos. O governo local anunciou que ia subsidiar uma grande parte da estadia e, na África do Sul, permanece o encerramento de fronteiras até dia 16 de Abril (mas, como um pouco por todo o mundo, os decretos sobre viagens e movimentos estão sujeitos a mudanças constantes).

Entretanto, esta versão XXL de lua-de-mel paradisíaca está a ter um custo financeiro pesado. Apesar do desconto que generoso que receberam do Cinnamon Velifushi Maldives, a conta cresceu desmesuradamente, retirando dinheiro à poupança que o casal tinha para dar entrada numa casa. E ainda vão receber a conta do avião. “Todos dizem que querem ficar presos numa ilha tropical, até realmente estarem presos”, afirmou Olivia de Freitas ao NYT. “Só parece bom quando sabemos que podemos sair.” E Olivia e Raul ainda não sabem quando vão regressar a casa.

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