Eurogrupo tenta garantir mínimos, “coronabonds” ficam para mais tarde

Para não pôr em causa a existência de uma resposta de emergência, fazem-se concessões para chegar a um acordo em relação a linhas de crédito mais baratas e simples. A discussão da mutualização de dívida fica para a fase de recuperação.

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Miguel Feraso Cabral

O Eurogrupo deverá esta terça-feira discutir e possivelmente chegar a um acordo para um pacote de medidas de apoio à economia no valor de cerca de meio bilião de euros, incluindo a possibilidade de os países recorrerem a uma linha de crédito do Mecanismo de Europeu de Estabilidade (MEE) para conseguir financiamento mais barato, com condições reduzidas. É o mínimo denominador comum que é possível encontrar, neste momento, entre Norte e Sul. Já a discussão, bem mais difícil, de medidas mais ambiciosas como a emissão de dívida comum ou a criação de um fundo de apoio às economias como o proposto pela França deverá ficar adiada para mais tarde, quando se tentar definir aquilo a que já se chama o “novo Plano Marshall”.

Passada uma semana e meia desde que os líderes da zona euro foram incapazes de chegar a um entendimento sobre a resposta comum à crise, devolvendo a bola ao Eurogrupo e dando-lhe 15 dias para apresentar as suas propostas, as posições das diversas capitais pouco mudaram. O que poderá ter acontecido, espera-se, é um ligeiro acerto de posições na direcção de um mínimo denominador comum que permita avançar para aquilo que já antes estava em cima da mesa.

Numa entrevista publicada este fim-de-semana em órgãos de comunicação social da Alemanha, Holanda, Itália, França e Espanha, o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, afirmou “pressentir a existência de um acordo amplo” relativamente a um pacote de três medidas que irá ser debatido na reunião desta terça-feira: a abertura de uma linha de crédito no MEE num valor equivalente a 2% do PIB (240 mil milhões de euros no total da zona euro), um reforço de 200 mil milhões de euros das verbas que podem ser accionadas pelo Banco Europeu de Investimentos para projectos e uma garantia de 100 mil milhões de euros para os sistema de protecção ao emprego dos diversos países. “Estas três medidas constituem uma rede de segurança de cerca de meio bilião de euros”, disse Centeno.

Há 11 dias, o que falhou foi um acordo em relação à linha de crédito do MEE, porque alguns países do Norte insistiam na imposição de condições aos que recorressem à linha de crédito, algo que os países do Sul se recusavam a aceitar, e também porque vários Estados-membros, incluindo Itália, França, Espanha e Portugal, consideram ser preciso ir bem mais longe, avançando para uma verdadeira mutualização da dívida pública através da emissão de “coronabonds”.

Para evitar agora um novo falhanço, houve concessões, mesmo que ligeiras. Por um lado, os países do Norte, em particular a Alemanha, tornaram mais claro que as condições de acesso à linha de crédito serão muito leves. Num artigo de opinião publicado esta segunda-feira em órgãos de comunicação social de países do sul da Europa – incluindo o PÚBLICO, em Portugal – os ministros alemães das Finanças e dos Negócios Estrangeiros recusaram qualquer semelhança entre estes empréstimos e aqueles que foram concedidos na anterior crise. “Não precisaremos de nenhuma troika, nem de fiscalizadores ou de uma comissão que desenvolva programas de reformas para um determinado país, mas sim de ajudas rápidas e direccionadas”.

Por outro lado, a sul, os Governos parecem estar conformados com a ideia de que os “coronabonds” ou qualquer medida desse tipo vai ter de esperar mais um pouco, deixando essa batalha – onde será muito mais difícil conseguir concessões a norte – para o momento em que se estiver a definir que plano de recuperação económica tem a zona euro para apresentar.

Num artigo de opinião publicado no domingo, o presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez, insistia na necessidade de se avançar para a mutualização de dívida, mas assinalava que, embora “insuficiente a médio prazo”, o MEE “pode ser útil numa primeira fase para injectar liquidez nas economias europeias através de uma linha de crédito, sempre que esta seja universal e não condicional”.

Mário Centeno, na entrevista do fim-de-semana, explicou a lógica por trás destes aparentes sinais de cedência: “Nesta discussão, não podemos pôr em causa ou desaproveitar a nossa capacidade para chegar a um consenso relativamente à emergência, com as três medidas. Mas iremos acelerar o nosso debate relativamente a um plano de recuperação”. O que falta saber é se Holanda e Itália, os países que mais têm colocado dificuldades à obtenção de um acordo, vão agora, também eles, fazer as suas concessões.

Como financiar o Plano Marshall

O que é certo é que, mesmo com um acordo esta terça-feira, será neste plano de recuperação, a que muito se referem como “novo Plano Marshall”, que irá ser travada a próxima batalha em torno de uma mutualização da dívida mais ambiciosa do que linhas de crédito do MEE.

A questão está em saber que dimensão e como é que irá ser financiado esse plano. E aqui, se o ponto de partida para esta discussão ainda é, em larga medida, de divisão Norte-Sul, o cenário é agora um pouco mais complexo, multiplicando-se os sinais de que, em países como a Alemanha e a Holanda, as opiniões começam a estar divididas sobre o tema.

Vários economistas alemães têm vindo a mostrar o seu apoio a uma partilha dos custos da crise como a forma de a zona euro enfrentar este desafio sem arriscar um novo cenário de fragmentação.

E, em Bruxelas, é também evidente um reforço da corrente pró-“coronabonds. Vários comissários europeus manifestaram o seu apoio à ideia de uma emissão conjunta de dívida para responder à emergência económica provocada pela pandemia. Nos últimos dias, foram vários os responsáveis que assinalaram a natureza “simétrica” e “externa” da crise do coronavírus para considerar “impossível” ou “inviável” o recurso aos mesmos instrumentos criados há uma década para debelar a crise do euro.

Esta segunda-feira, a vice-presidente executiva e responsável pela pasta da Concorrência, Margrethe Vestager, juntou a sua voz à dos seus colegas Paolo Gentiloni (Economia), Thierry Breton (Mercado Interno) e Elisa Ferreira (Coesão e Reformas), que reclamam por um instrumento financeiro comum dos países da UE.

“Na UE, somos todos vizinhos, e o que os vizinhos fazem é ajudar sempre que é preciso. Se os países da UE não provarem que são capazes de se ajudar mutuamente, a crise vai durar mais tempo e ter consequências muito mais severas”, comparou a vice-presidente executiva numa entrevista concedida a vários meios europeus. “Não podemos permitir que o debate de ideias para o financiamento da recuperação nos volte a dividir e afastar. A crise actual não tem nada a ver com riscos morais ou nos mercados financeiros. O vírus não é um membro da zona euro”, sublinhou Margrethe Vestager.

Mas esse é um debate em que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, claramente não se quer envolver. Esta segunda-feira, o seu porta-voz, Eric Mamer, esclareceu que as declarações dos comissários que defenderam a mutualização da dívida devem ser interpretadas como opiniões pessoais e não como manifestações da política do executivo — de momento, a posição da Comissão continua a ser de que os Estados-membros devem avaliar “todas as opções possíveis, no quadro dos tratados” para desenhar a sua resposta à crise.

Além disso, para a presidente, “a melhor fórmula para activar os investimentos maciços que serão necessários é através de um novo quadro financeiro plurianual robusto e ambicioso, um verdadeiro Plano Marshall”, isto é, o financiamento deste plano de recuperação viria antes do mais de um reforço do Orçamento da UE.

Do Parlamento Europeu também surge pressão na direcção da mutualização da dívida. Esta segunda-feira, o grupo dos Verdes avançou uma proposta para a “rápida emissão de ‘coronabonds’ para cobrir os custos imediatos relacionados com a crise do coronavírus, estabilizar a economia e apoiar a recuperação da UE”. Já a bancada dos Socialistas & Democratas divulgou um caderno de encargos que prevê a activação de uma linha de crédito do MEE, para que os países possam aceder ao financiamento a taxas interessantes e sem qualquer condicionalidade macroeconómica associada, mas também inclui a emissão de “coronabonds” garantidos por um programa de compra do Banco Central Europeu.

Neste cenário, e naquilo que Mário Centeno classifica como solução “intermédia” para a resposta da zona euro na fase de recuperação, Emmanuel Macron prepara-se para apresentar uma proposta de criação de um fundo, com verbas totais equivalentes a 3% do PIB da zona euro, que seria financiado através da emissão de dívida garantida pelos Estado membros. Seria uma forma de financiar o esforço de recuperação sem recorrer de forma aberta aos “coronabonds”, que entretanto se tornaram uma “linha vermelha” para algumas capitais.

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