Quarentena: o isolamento político do presidente do Brasil

“Bolsonaro, acabou. Você não é presidente mais.”

Essas frases foram ouvidas por Jair Bolsonaro, há algumas semanas, ao chegar no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente do Brasil. Por quase 40 segundos, com uma fala extremamente direta, um cidadão criticou as ações de combate do governo ao coronavírus. Bolsonaro, por alguns instantes, alegou não entender o que era dito, mas se manteve quase estático durante o discurso do haitiano residente no Brasil. Até hoje não se sabe a identidade daquele senhor, mas o recado dele, a cada dia, parece fazer mais sentido.

Bolsonaro brincou de fingir que o coronavírus era uma histeria. Alterou o discurso da Organização Mundial da Saúde e fez passeadas por Brasília. Pronunciou-se à nação e desdenhou do poder destrutivo da covid-19. Afinal, para pessoas como ele, com histórico de atleta, a doença não passaria de um leve resfriado.

O presidente se uniu a empresários que entraram em desespero ao imaginar que reduziriam seus lucros milionários com os trabalhadores em casa e, além disso, pode ter gasto 830.000 euros em um comercial que carrega o seguinte slogan: “O Brasil não pode parar”. Para convencer os brasileiros a voltarem à rotina, Bolsonaro teria usado, por exemplo, 25% a mais do que o limite de investimento do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual) em uma longa-metragem. Vale ressaltar que para se participar de um concurso do ICA, a produção deve ter, no mínimo, 70 minutos de duração. O vídeo de Bolsonaro, no entanto, tem 1 minuto e 30 segundos e foi produzido apenas com fotografias de arquivo. A justiça brasileira, por fim, proibiu a exibição da peça publicitária por sugerir uma ação que não é baseada em diretrizes técnicas.

Bolsonaro também tentou, por meio das redes sociais, persuadir os brasileiros a saírem de casa. Resultado: Twitter, Instagram e Facebook bloquearam o conteúdo do presidente. A justificativa é de que as publicações violavam as regras da comunidade, pois poderiam causar danos reais às pessoas.

Durante o combate à covid-19, o governo brasileiro também suspendeu o atendimento de pedidos via Lei de Acesso à Informação – uma ferramenta essencial para jornalistas e cidadãos fiscalizarem o governo, pois garante que todo órgão público tem a obrigação de responder, em até 30 dias, qualquer pergunta que envolva dados, documentos ou informações públicas. A suspensão do atendimento é uma ação direta de inconstitucionalidade e, por isso, o STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a determinação presidencial e voltou com a lei. Inimigo da informação, Bolsonaro teve que amargar outra derrota na Justiça.

E não acabou por aí: o ministro do STF, Marco Aurélio Mello, ordenou que a Procuradoria-Geral da República se posicionasse sobre uma notícia-crime contra Bolsonaro. A denúncia expõe o “histórico de reiteradas e irresponsáveis declarações” do presidente no combate à covid-19. Agora, cabe ao procurador-geral da República, Augusto Aras, definir se acata a notícia-crime e abre um processo de impeachment contra Bolsonaro – fato difícil de acontecer, já que Aras é uma escolha pessoal de Bolsonaro, que não aceitou as indicações da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) para o cargo.

“Vamos imaginar um jogo de xadrez do governo. Os peões seriam grande parte quem? Os ministros. Lá para trás, um pouquinho, o Sérgio Moro (ministro da Justiça) é uma torre. O Paulo Guedes (ministro da Economia) é o cavalo. E a dama, seria quem? Que autoridade? A dama é a Procuradora Geral da República, tá legal? Tá dado o recado aí”, destacou Bolsonaro, o rei do xadrez.

Se Augusto Aras é a rainha de Bolsonaro, os governadores viraram um oponente de peso. Publicamente e de maneira ríspida, o presidente chegou a acusar João Dória, governador de São Paulo, de se aproveitar do coronavírus para investir em campanha para as Eleições Presidenciais de 2020. Resultado: 26 dos 27 governadores brasileiros assinaram uma carta com reivindicações contra o Governo Federal em meio à pandemia.

Inclusive, o próprio Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, convocou a população a ouvir os governadores de cada Estado. Bolsonaro, então, acusou Mandetta de falta de humildade e o ameaçou de demissão após a crise do coronavírus. No entanto, o Ministro da Saúde respondeu sem pestanejar: “Médico não abandona paciente, meu filho”. Mandetta, que já havia flertado com o jeito Bolsonaro de fazer política ao criticar o trabalho da imprensa, assumiu recentemente o seu papel de médico: “Quem tem mandato fala, e quem não tem, como eu, trabalha”.

Um trabalho que já faz 76% da população brasileira aprovar as ações do Ministério da Saúde, segundo pesquisa do Instituto Datafolha. O mesmo levantamento identificou o nível de satisfação do eleitor com o governo nacional no combate ao coronavírus: apenas 33%. Não é à toa que panelaços crescem gradativamente em todo o país.

Por fim, se a derrota vem de todos os lados, não foi diferente no Congresso Nacional. Após o governo sugerir uma bolsa-auxílio de 19% do salário mínimo aos trabalhadores informais, a oposição conseguiu aprovar em todas as esferas do legislativo uma renda emergencial básica de 57% do salário mínimo.

É claro que Bolsonaro sabe que a crise financeira realmente atingirá o Brasil, mas ele quer se distanciar o máximo desse problema quando ele chegar. Enquanto governadores buscam diminuir o número de mortes no país, Bolsonaro se mantém como um guardião da economia. E, quando a recessão chegar, irá jogar com isso. Falará que a pandemia não foi tão forte, mas que acabou com a economia que ele tanto tentou salvar. Talvez ele até consiga se aproveitar dos brasileiros com memória curta, mas possivelmente terá dezenas de governadores lembrando-o que graças ao trabalho deles, se tudo der certo, a covid-19 não terá devastado o Brasil.

No entanto, até o jogo entrar nessa fase e Bolsonaro puder usar a carta que guarda na manga, não há como negar que aquele haitiano estava certo. Com derrotas e desavenças por todos os lados, momentaneamente não há como negar: Bolsonaro está isolado. “Acabou, você não é o presidente mais.

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