Casa de Sarmento disponibiliza livro sobre a pneumónica de 1918

Sendo uma das maiores pandemias do século XX, o paralelismo com a situação actual justifica a disponibilização online do livro pela Casa de Sarmento.

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Vírus que provocou a gripe de 1918 NIAID

A Casa de Sarmento, uma unidade da Universidade do Minho, disponibilizou online um novo livro sobre a pneumónica de 1918, resultante de um encontro científico realizado em Guimarães no centenário desta pandemia.

Coordenado pelo investigador do Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (CITCEM), da Faculdade de Letras Universidade do Porto, Antero Ferreira, o livro A Gripe Espanhola de 1918 inclui múltiplos textos em torno do eixo da pneumónica, desde o seu impacto nas ilhas açorianas do Faial e das Flores ou na região do Alto Minho, até à morte do artista Amadeo de Souza-Cardoso, vítima da doença.

Na apresentação desta primeira edição da Casa de Sarmento, Antero Ferreira recorda, na nota de abertura: “A pandemia da ‘gripe espanhola’, ou ‘pneumónica’, irrompe no ano em que termina a Primeira Guerra Mundial, em 1918, num contexto de graves dificuldades económicas e sociais. O impacto que teve sobre a mortalidade – calcula-se que entre 1918 e 1919 terá provocado a morte a cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo –​ ainda hoje constitui uma marca indelével no imaginário colectivo”.

“Claras ficam as condições de vida da população em 1918, com Portugal, numa primeira fase ainda a braços com a Primeira Guerra e com a carestia por ela provocada, com um surto de tifo exantemático e ainda outro de varíola. Para além disso, a pobreza das populações, não só nas vilas e aldeias, mas também nas nossas maiores cidades – Lisboa e Porto – era uma realidade. Todos estes factores foram potenciadores da grande crise de mortalidade provocada pela pneumónica”, escreve, na apresentação, Maria Luís Rocha Pinto, da Universidade de Aveiro.

A socióloga lembra ainda que, apesar de a gripe provavelmente ter entrado “em Portugal vinda de Espanha, a sua designação deve-se, em todo o mundo, ao simples facto de a Espanha não ter entrado na Primeira Guerra e, por isso, não estar a braços com os problemas dela resultantes e com algum sigilo que foi mantido em relação à difusão da gripe pelos países envolvidos na guerra, o que fez com que fosse Espanha o primeiro país a relatar nos jornais a existência da epidemia”.

Num dos artigos, sobre a “Pneumónica em Guimarães”, os autores Antero Ferreira e Célia Oliveira recordam as indicações do então director-geral da Saúde, Ricardo Jorge: “Para os casos graves, sobretudo quando peca o domicílio e faltam os recursos, está indicada a hospitalização que satisfaz à dupla indicação do tratamento e do isolamento. É a arma mais eficaz de que dispomos para a atenuação do flagelo. Onde haja hospital, é aproveitá-lo para os epidemiados; onde o não haja ou não chegue, institua-se onde possa ser, requisitando a autoridade administrativa o prédio apropriado nos termos legais, assim como camas e roupas”.

Em Lisboa, segundo o artigo de Eunice Relvas e Delminda Rijo, o Outono de 1918 foi “uma verdadeira sentença apocalíptica, quando à fome e à guerra se associou o pânico da epidemia e da morte”, tendo a vida na cidade sido modificada e as ruas ficado “desertas, apesar de os teatros, os animatógrafos e os recentes night-clubs continuarem abertos durante a pandemia”.

As autoras do artigo salientam que “a trajectória industrial e a pobreza foram denominadores comuns, embora não exclusivos, na trajectória da pandemia”, citando, para esse efeito, o director dos Hospitais Civis de Lisboa, Lobo Alves: “Pelos meus próprios olhos tenho verificado que não poucos dos hospitalizados, desde que a epidemia se declarou, sofrem mais das dolorosas consequências da miséria que propriamente da doença dominante”, escreveram Eunice Relvas e Delminda Rijo.

“Na análise da informação estatística da mortalidade avultam as freguesias com população mais carenciada, com piores condições de habitação e, embora não se esgotando nessa actividade laboral, com grande empregabilidade na indústria”, recordam ainda as duas investigadoras do Gabinete de Estudos Olisiponenses, da Câmara Municipal.

Também em concelho como Loures, Mafra e Vila Franca de Xira, as “assimetrias relacionadas com o isolamento das populações, as acessibilidades precárias e a insuficiência de médicos e de terapêuticas ditaram as taxas de mortalidade”.

À semelhança das descrições encontradas noutras zonas do país, é lembrando que “terá sido aterradora a omnipresença da morte quando muitos cadáveres foram conduzidos, amontoados em carroças e tapados com trapos ou serapilheira, para as valas comuns dos cemitérios”.

Sendo uma das maiores pandemias do século XX, o paralelismo com a situação actual justifica a disponibilização online do livro pela Casa de Sarmento.

Segundo informações do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a pneumónica atingiu Portugal em Maio de 1918 e, em cerca de dois anos, gerou uma crise demográfica grave, com algumas zonas do país a perderem cerca de 10% da população. Em Portugal, o número oficial de mortos devido à gripe espanhola é superior a 60 mil. Em três ondas, a pneumónica matou principalmente jovens e atingiu pessoas de todas as classes sociais.

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