Curva “errática” da epidemia de covid-19 em Portugal intriga epidemiologistas

Vão chegar mais 260 mil testes, três milhões de máscaras e 1500 ventiladores, anunciou a ministra da Saúde, que pede aos portugueses para continuarem em casa. Esta é “uma longa maratona”, avisa.

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Graça Freitas e Marta Temido LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A curva da epidemia de covid-19 em Portugal está a desacelerar nos últimos dias e o aumento proporcional de novos casos anunciado neste sábado, mais 6,5%, é o mais baixo desde que o Governo decretou as primeiras medidas de contenção, em 16 de Março. Mas a cautela continua a ser a palavra de ordem e a curva "errática” da infecção pelo novo coronavírus está a intrigar especialistas em saúde pública e epidemiologia.

Os indicadores são positivos mas tanto a ministra da Saúde – que enfatizou que a situação que estamos a viver em Portugal é uma “longa maratona” –, como a directora-geral da Saúde reforçaram neste sábado os apelos à responsabilidade e à colaboração dos portugueses. “Temos de continuar a cumprir as medidas de contenção e de mitigação”, pediu Marta Temido na conferência de imprensa de balanço da situação epidemiológica do surto de covid-19 em Portugal. A “grande responsabilidade dos portugueses que aceitaram ficar em casa" terá que ser “renovada todos os dias, porque não há uma luz ao fundo do túnel”, disse.

Segundo o último boletim diário da Direcção-Geral da Saúde (DGS), de quinta para sexta-feira houve mais 638 casos confirmados e mais 20 óbitos. Apesar de o número de infectados ter ultrapassado a barreira dos dez mil, o ritmo do crescimento dos novos casos parece estar mais controlado – o aumento de novos casos ficou-se pelos 6,5%, depois de, nos três dias anteriores, ter rondado os 9%.

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Os números oficiais têm que ser olhados com reserva, defendem, porém, dois especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. “Se estes dados estiverem correctos, a curva parece estar a desacelerar”, admite Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. “O problema é que a curva de novos casos [a que se refere à data de início dos sintomas da doença] é um bocadinho errática e isso não é um comportamento habitual neste tipo de doenças”, nota o epidemiologista.

“Quando há pessoas que têm que aguardar dez dias para fazer um teste, pergunto-me se estes dados serão reais”, observa Ricardo Mexia, que especula que os resultados oficiais podem estar a ser influenciados pela forma de notificação de novos casos ou pelo número de diagnósticos laboratoriais.

Já Carla Nunes, directora da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), lembra que a forma como os dados são contados pode estar a causar “uma oscilação não controlada”.Se é claro que a desaceleração da curva é uma boa notícia, a especialista em estatística e epidemiologia recorda que a diminuição da proporção de novos casos ocorreu igualmente em todos os países a partir de determinada fase, mesmo em Itália e Espanha.

Numa altura em que ainda há muitos “ses” e muitos “mas”, Carla Nunes prefere destacar a variável mais difícil de medir, a dos contactos entre as pessoas. E os resultados do barómetro da Escola Nacional de Saúde Pública são preocupantes: cerca de 25% dos inquiridos (perto de 160 mil) “não estão a fazer o que deviam”, ou seja, continuam a sair de casa.

Distribuídos 260 mil testes

Ontem, apesar de assinalar a “expectativa” que o aplanar da curva epidémica em Portugal pode gerar, a ministra da Saúde avisou, prudente, que ainda não se vê “uma luz ao fundo do túnel”. Se os dados demonstram que “há um resultado inequívoco” dos esforços que têm vindo a ser feitos pela população, todas as estimativas estão sujeitas a “um elevado grau de incerteza”, disse.

Ainda assim, o regresso à normalidade já está a ser estudado. Há “um grupo de académicos e cientistas que está a fazer estudos para poder responder melhor às dúvidas”, nomeadamente em que datas “podemos retirar algumas medidas de contenção, para podermos voltar à vida normal sem risco”, adiantou Graça Freitas. Mas ainda há muito trabalho a fazer e ninguém se atreve a avançar com uma data para o retomar da normalidade. Esta é uma questão “muito complexa” e é necessário analisar o cenário “dia a dia, dado a dado, medida a medida”, justificou Graça Freitas.

A boa notícia é a de que quem está a aguardar a marcação de testes de rastreio deverá ter uma resposta em breve: já estão em condições de ser distribuídas 80 mil zaragatoas (uma espécie de cotonetes para retirar amostras das fossas nasais) e 260 mil testes para colmatar a falta que se tem sentido tanto nos hospitais públicos como nos centros privados, anunciou a ministra. 

Depois da avalanche de pedidos que se verificou desde que, no dia 26 de Março, a DGS alargou aos centros de saúde a prescrição destes testes e a todos os que têm pelo menos um sintoma da doença, muitos dos locais onde o rastreio estava a ser realizado começaram a adiá-los. A falta de testes tem sido, aliás, uma das questões que mais controvérsia tem gerado. 

Também vão chegar a Portugal neste domingo 144 ventiladores de “uma encomenda de 1500”, que inclui doações, e para este sábado estava prevista a entrega de três milhões de máscaras cirúrgicas e 400 mil máscaras FFP2 (mais sofisticadas), revelou Marta Temido, que voltou a responder a uma pergunta que tem confundido os cidadãos: quem deve ou não usar este equipamento de protecção? “Quem tem dificuldades respiratórias ou está no interior de instituições de saúde” deve fazê-lo, bem como profissionais e pessoas que estejam em contacto com doentes suspeitos ou com covid-19 e ainda quem seja doente com imunossupressão ou faça acompanhamento domiciliário. 

O que também já está disponível, tanto para os cidadãos como para os profissionais de saúde, é um atendimento psicológico através da linha SNS24. Inspira-se no modelo que foi desenhado durante os incêndios de há dois anos, que passa por gabinetes regionais de crise em saúde mental que já estão a funcionar. “Todo o esforço” será feito para que, também nesta matéria, a resposta à covid-19 seja “a mais robusta possível”, prometeu Marta Temido.

Correcção: O boletim diário da DGS considera todos os casos confirmados e não apenas 79% do total, ao contrário do que escrevemos. O que passou a ser contabilizado de outra forma desde quarta-feira foram os casos positivos por concelho.

 
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