A antidemocracia também exige uma cerca sanitária

A União Europeia não pode contemporizar com a tentativa húngara de aproveitar o estado de emergência para instituir um verdadeiro regime autoritário.

A União Europeia não se debate apenas com dificuldades acrescidas para travar a progressão de uma pandemia de contornos ainda desconhecidos ou com o colapso que daí advém na estagnação económica. A estas dificuldades devemos somar a falta de solidariedade entre Estados-membros, antevendo a repetição de cenários passados de ausência de coesão, e a previsível tentação despótica de alguns dos governos que, oportunisticamente, querem aproveitar a crise pandémica para fazer do estado de emergência uma forma de governo antidemocrático.

O primeiro-ministro húngaro, fiel a si próprio, outorgou-se de poderes extraordinários que eliminam qualquer possibilidade de existência de um Estado de direito. A União Europeia não pode contemplar com esta evidente transformação do estado de emergência devido ao novo coronavírus num regime autoritário. Um dia destes, a Bielorrússia ou a Turquia estarão no meio de nós.

O vírus autoritário aí está: Viktor Orbán poderá governar por tempo indeterminado sem qualquer controlo parlamentar, servindo-se simplesmente de decretos, com a possibilidade de condenar até cinco anos de prisão quem “espalhar informação falsa” relacionada com a pandemia, uma fórmula suficientemente ambígua para ser arbitrária e abranger, por exemplo, jornalistas.

A Comissão Europeia tem de secundar a posição do Parlamento Europeu, que tem sido quem mais tem denunciado as derivas de Orbán, questionando se não estamos perante a violação do artigo 2.º do Tratado da União Europeia, que acautela os valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia ou dos Direitos Humanos, uma série de princípios que o primeiro-ministro húngaro despreza sem disfarçar. Dezassete Estados-membros, entre os quais Portugal e, ironicamente, a própria Hungria, manifestaram as suas dúvidas sobre o aproveitamento político das medidas excepcionais em tempos de epidemia.

Mas era recomendável também que os partidos europeus de centro-direita deixassem de contemporizar com o partido de Orbán e aprovassem a sua expulsão, como proposta pelo presidente do PPE, Donald Tusk, sejam os alemães da CDU e CSU, os franceses dos Republicanos, ou os espanhóis do Partido Popular. O Fidesz de Orbán tem mais a lucrar com a integração no PPE do que este com a sua ostracização. Não há política sem ética e a antidemocracia também exige uma cerca sanitária.

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