A emergência social de uma acção concertada na Educação

Terá de haver um compromisso claro em apoiar e dotar pais e professores de ferramentas e estratégias no uso de tecnologias e no reforço da competência digital. Tudo isto e muito mais em tempos adiados, porque nada será como dantes e a escola reinventa-se à luz da sociedade que se transforma.

O mundo está cada vez mais digital e a conectividade foi aprimorada. Nos últimos 13 anos, os smartphones tornaram-se os dispositivos mais populares no acesso à Internet. As crianças do século XXI são a “geração touch-screen” – “nativos digitais”. Em Portugal, no terceiro trimestre de 2018, 75,1% do total de indivíduos com telemóvel possuía um smartphone e 99% dos jovens entre os 10 e os 24 anos utilizava um smartphone. Neste período, 17,5% dos indivíduos com 15 e mais anos residiam em lares com acesso à Internet. No último trimestre de 2019, 84,6% dos lares portugueses tinham serviços de telecomunicações contratados em pacote. A situação mais frequente era a conjugação de serviços de voz fixa, voz móvel, Internet e TV (Marktest).

Qual a estratégia digital para Portugal? Que revolução digital faltou na educação? Terá havido um desinvestimento digital ou a descontinuidade da modernização tecnológica nas escolas?

Mais de uma década depois do Plano Tecnológico da Educação e do “afamado” Magalhães que “invadiu” o quotidiano dos alunos em contexto sala de aula, a promessa de evolução tecnológica deixou de ter “morada” em escolas com internet limitada e fraca conectividade, computadores obsoletos e falta de equipamentos. Também o número médio de alunos por computador aumentou consideravelmente. Segundo o relatório Estado da Educação 2018, “em 2017/2018, o número mais elevado ocorre no 1.º CEB (6,6), enquanto nos restantes se registam 4,4 no 2.º CEB, 4,3 no 3.º CEB e 4,1 no nível secundário”. Este relatório refere ainda em que áreas de competência digital os professores manifestam uma confiança inferior à média da UE.

No estudo internacional IEA ICILS – International Computer and Information Literacy Study, os alunos portugueses, entre os 13 e os 14 anos, a frequentar o 8.º ano de escolaridade, utilizaram as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) sobretudo fora da escola e para atividades de lazer. Apenas 7% dos alunos indicou utilizar essas tecnologias em atividades escolares na escola. Menos de metade dos professores portugueses utilizaram as TIC na maioria das aulas. Os professores indicaram ter participado em poucas ações de formação na área das TIC. Os professores coordenadores de TIC apontaram a “falta de computadores eficientes” e a “largura de banda ou velocidade de internet insuficiente” como problemas associados à insuficiência de recursos informáticos com repercussões no ensino e na aprendizagem das TIC (respetivamente, 77% e 76%) (IAVE, 2019).

Foram, pontualmente, surgindo projetos de apetrechamento tecnológico e outras iniciativas de escolas. Recentemente foi desenhado um plano de ação Portugal Digital para a transição digital. Mas ainda há tanto para fazer… A visão educativa no futuro tem de ser cimentada em fatores concretos e, no caso da educação, temos ainda uma fraca utilização das TIC na escola ou com pouca intencionalidade das aprendizagens. Os recursos humanos não estão devidamente formados e capacitados, os recursos materiais precisam de ser renovados ou requalificados, os recursos financeiros não chegam para as necessidades nem se “esticam” às vontades.

Como ultrapassar localmente esta pandemia à escala global? Quais as medidas a tomar na quarentena? Como formar e dotar pais e professores no uso das TIC e no reforço da competência digital e de ferramentas em torno do ensino à distância?

Por infortúnio desta pandemia, a sociedade em Portugal está agora confinada a uma quarentena que obriga ao isolamento social. Esta rotina afasta familiares, amigos e profissionais, conectando-os mais do que nunca a ecrãs de um mundo digital e ao alcance das novas tecnologias. As escolas estão encerradas e o ensino à distância ainda não chega a todos. O terceiro período escolar avizinha-se desafiante para governantes e outros stakeholders, pois na educação é preciso agir com equidade para reduzir desigualdades sociais, culturais e económicas. Falta a definição concreta de estratégias e medidas, para complementar o roteiro 8 Princípios Orientadores para a Implementação do Ensino a Distância (E@D) nas Escolas e o site de apoio às escolas.

Assim, deparamo-nos com uma emergência social de uma ação concertada na educação. Por um lado, no “terreno” educativo, diretores que procuram agarrar o “leme” em instâncias tempestuosas, professores que se movimentam fortemente em “marés” de incerteza e desconhecimento, tentando ensinar todos os alunos a “nadar”. Procuram veicular conhecimentos sem terem as melhores condições de “navegabilidade”. Há um sentido de responsabilidade acrescido para os pais que se veem “mergulhados” na educação e no ensino dos seus filhos. Mais do que parceiro, a família é estrutura fundamental no sucesso deste ensino à distância. Outros elementos da comunidade educativa e sociedade civil como autarquias, empresas, operadoras de telecomunicações podem sustentar as medidas a tomar e “rumar” ao êxito de um esforço conjunto. É também necessário trabalhar em rede e articular a educação com as áreas da saúde, ciência e ensino superior, trabalho, segurança social, justiça.

Na educação, importa assegurar a eliminação de barreiras ao acesso a novas aprendizagens através da utilização das TIC por pessoas em ambientes socioeconómicos desfavorecidos e portadoras de necessidades especiais a nível físico, sensorial ou cognitivo. De garantir, igualmente, a redução e eliminação de assimetrias regionais em matéria de conectividade. É crucial estabelecer protocolos para mais e melhores equipamentos informáticos e para internet de alta velocidade, rentabilizar os dispositivos móveis já existentes nas famílias portuguesas, de forma a proporcionar condições básicas de trabalho para aulas por videoconferência. São precisas equipas na criação de conteúdos para programas inclusivos e vídeos de cariz educativo difundidos na televisão, no YouTube e redes sociais. De salientar que nestas últimas semanas, no período entre as 9h e as 18h, verificou-se um crescimento de consumo TV, sobretudo na faixa etária dos quatro aos 14 anos (Marktest).

A UNESCO alerta para o uso mais extensivo possível da internet, rádio e televisão. Evidencia a necessidade de maior acompanhamento a crianças com mais exposição a comportamentos de risco, no campo da nutrição e na educação e cuidados para a primeira infância. Aponta para desafios psicossociais que criem comunidades de práticas e assegurem interações humanas regulares, facilitando a troca de experiências e a discussão de estratégias. Reconhece a necessidade de se definir um cronograma para o ensino à distância, com um horário estipulado que tenha em conta as dificuldades e necessidades dos alunos, os seus pontos de interesse, o nível de estudos e a disponibilidade dos pais/família.

Terá de haver um compromisso claro em apoiar e dotar pais e professores de ferramentas e estratégias no uso de tecnologias

e no reforço da competência digital

, de metodologias de ensino à distância. Será necessário organizar formações e orientações de curta duração para alunos, pais e professores, criar mecanismos de aferição

https://www.erte.dge.mec.pt/ecossistema-nacional-mentep" target="_blank">e instrumentos de avaliação contínua da aprendizagem dos alunos, com base em evidências recentes e na ponderação de outras anteriores, num percurso escolar, num currículo traçado e num perfil pretendido na conclusão e transição para outro nível de ensino. Não esquecer da necessidade de monitorização e acompanhamento de todas as medidas. Tudo isto e muito mais em tempos adiados, porque nada será como dantes e a escola reinventa-se à luz da sociedade que se transforma.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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