Covid-19: maiores de 60 anos são os que mais saem à rua apenas para passear

Segundo o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, são sobretudo os homens que assumem mais comportamentos de risco. E é no Norte e no Centro que há mais contactos fora dos elementos do agregado familiar.

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Bairro Alto, Lisboa, esta sexta-feira Mário Cruz/Lusa
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Ponte Vasco da Gama, esta sexta-feira Mário Cruz/Lusa

Os homens e as mulheres com mais de 60 anos dizem ter um “menor número de contactos pessoais fora do agregado familiar”, incluindo visitas a casa de amigos ou família. No entanto, são dos que mais reportam deslocações a estabelecimentos comerciais e saídas de casa para caminhar ou passear animais de estimação. E isso é sobretudo evidente nos homens.

Este é um dos retratos dos Diários de uma Pandemia, uma iniciativa do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC, que conta com o apoio do PÚBLICO. A recolha de dados é feita através de questionários online e teve a participação de pessoas entre os 16 e os 89 anos, que contam como têm vivido esta pandemia. Entre os dias 23 e 30 de Março inscreveram-se para participar no estudo 6791 pessoas, que ao longo da primeira semana preencheram 23.254 questionários.

Os que mostram os resultados? Que 71,9 pessoas em cada mil inquiridos, a cada dia, foram a outros estabelecimentos comerciais que não farmácias e supermercados. E que este tipo de deslocação “foi particularmente frequente nos homens com 60 ou mais anos (146,6 por mil), seguidos dos homens com idade entre os 40 e os 59 anos (130,6 por mil)”. No caso das mulheres é também a faixa etária dos 60 ou mais anos que sobressai, ainda que com valores inferiores aos dos homens: 80,5 por mil.

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Os hábitos vividos nesta pandemia mostram também que as saídas por outros motivos, como caminhadas e passeios com os animais, são muito frequentes nos homens. Sobretudo nos mais velhos. Segundo o estudo, “a cada dia, em cada mil inquiridos, 308,4 referiram ter saído por outros motivos não relacionados com comércio e serviços”. E acrescenta: “Estas deslocações foram mais frequentemente referidas pelos homens de todas as classes etárias, especialmente a partir dos 60 anos (437 por mil)”. No caso das mulheres, no grupo com 60 ou mais anos a proporção é de 247 por mil, inferior às faixas etárias mais jovens. Mas, mesmo assim, um valor que não é pequeno.

“Uma coisa interessante, que não esperaria, é que fosse o grupo dos 60 e mais anos dos que mais sai de casa sem motivo, no sentido de ir caminhar ou passear o cão”, assume Henrique Barros, presidente do ISPUP. A solidão e a capacidade de adaptação a esta nova realidade de isolamento forçado podem ser algumas das explicações.

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“A capacidade de readaptação diminui com o aumento da idade. Ao mesmo tempo notamos que as pessoas mais velhas têm menos medo por elas. Têm a sensação que já passaram por muitas coisas e tendem a considerar que há exagero na comunicação do risco. Talvez porque considerarem que já passaram por muita coisa e sobreviveram. É muito interessante ver isso aqui. E será interessante ver se, no futuro, este processo as irá levar a adaptar-se ou a manter a mesma posição”, refere Henrique Barros.

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As diferenças não são apenas entre homens e mulheres, também existem entre regiões. Por exemplo, nas idas aos supermercados e hipermercados. “Vemos que há diferenças grandes. Nas zonas que imaginamos que são as menos povoadas, que são o Alentejo e os Açores, as pessoas vão muito mais. Terá a ver com a disponibilidade. Será mais difícil um alentejano ter à porta um hipermercado onde pode ir uma vez na semana.”

O questionário quis também saber o número de contactos pessoais fora do agregado familiar. “Em toda a amostra, a cada dia, 112,8 em cada 1000 participantes reportaram ter contactado com 5 ou mais pessoas fora do agregado” e “37,5 contactaram com 5 ou mais pessoas durante mais de 15 minutos a uma distância inferior a 2 metros”.

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“É interessante o facto de Norte e no Centro o número médio de pessoas com quem as pessoas contactam ser maior do que em Lisboa e no Sul. Isso pode reflectir as estruturas familiares e de trabalho. Lisboa, e as cidades perto, tendem a ter mais pessoas que vieram de várias partes do país e do mundo. As pessoas habituam-se a viver mais sozinhas, enquanto no Norte e Centro há mais ruralidade mesmo nas cidades. Não podemos deduzir que é por isso que há mais infecções proporcionalmente no Norte e no Centro. Estes dois fenómenos associam-se, mas não quer dizer que um seja a causa do outro”, explica.

Valorizar mais os sintomas

Olhando para toda a amostra que acompanharam durante essa semana, foi possível perceber que “em cada 1000 pessoas, durante um dia, foram realizados aproximadamente 6 novos testes” para diagnóstico da infecção pelo novo coronavírus. Olhando apenas para os participantes que disseram ter pelo menos um dos sintomas associados à covid-19 (tosse seca, febre, dificuldade respiratória, entre outros), realizaram-se, a cada dia, 14,2 testes por mil pessoas. Entre os que contactaram o SNS24 realizaram-se 152,3 testes por cada mil pessoas e em cada mil participantes com sintomas e que tiveram contacto com um caso confirmado, 165,1 fizeram teste.

Foram diagnosticados cerca de três novos casos por cada mil pessoas em cada dia. “A frequência de novas infecções foi mais elevada nos homens com 40 a 59 anos (6,4/1000) e nas mulheres com idade igual ou superior a 60 anos (4,8/1000)”, conclui o estudo.

“A maior parte dos testes positivos foram em pessoas que não tinham sintomas, nem ligaram para a linha SNS24”, refere Henrique Barros, que apontando duas hipóteses: “Ou fizeram o teste porque eram contactos de alguém, e com isso saltou-se a linha, ou porque se sentiram em risco e fizeram por iniciativa própria.”

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“Isto mostra uma coisa muito interessante. Se só considerássemos a tosse, a febre e a falta de ar muita gente que teve teste positivo não o teria feito”, aponta, salientando que os dados devem ser vistos com cautela tendo em conta que são números pequenos quando se olha para um acontecimento com a dimensão desta pandemia. Mas “esta percepção dá fundamento à atitude tomada de liberalizar mais os critérios” para a realização de testes, já nem sempre associado à existência de sintomas, caso das grávidas.

O teste foi mais frequente nas mulheres acima dos 60 anos, enquanto nos homens essa foi a faixa etária que menos testes realizou. “Verifica-se muitas vezes, sobretudo nas idades mais avançadas, que os homens recorrem menos aos cuidados de saúde e tendem a ir quando as situações são mais sintomáticas. Esse aspecto pode estar aqui a ser representado”, destaca o presidente do ISPUP, deixando um alerta: os homens têm mais risco de morrer.

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“Se num determinado local, seja qual for, tiver um homem e uma mulher de 70 anos que se infectaram hoje, o homem vai ter o dobro do risco de morrer. Precisamos de insistir mais nos testes e na valorização dos sintomas nos homens. Sobretudo nestas idades, a proporção de homens fumadores é muito mais alta que nas mulheres. Eles estão mais habituados a tossir e a ter falta de ar e valorizam muito menos esses sintomas. Temos de começar a sinalizar e a insistir nisso”, afirma.

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