Trump despede inspector que investigou denúncia de pressão sobre a Ucrânia

Michael Atkinson insistiu em enviar para o Congresso a denúncia de um agente da CIA, que viria a resultar no processo de impeachment contra o Presidente norte-americano.

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Michael Atkinson foi nomeado por Trump em finais de 2017 e confirmado no cargo em Maio de 2018 epa/JIM LO SCALZO

O inspector-geral dos serviços secretos norte-americanos, Michael Atkinson, nomeado para investigar de forma independente denúncias de más práticas em agências como a CIA e o FBI, foi despedido na sexta-feira pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em Setembro do ano passado, Atkinson enfrentou a Casa Branca ao insistir em enviar para o Congresso a denúncia sobre uma conversa telefónica entre Trump e o Presidente da Ucrânia, o que acabou por abrir a porta ao processo de impeachment contra o Presidente norte-americano.

Em duas cartas enviadas aos líderes das comissões de serviços secretos da Câmara dos Representantes e do Senado, na noite de sexta-feira, Donald Trump diz apenas que perdeu a confiança no inspector-geral.

“Como acontece em relação a outros cargos em que eu, como Presidente, tenho o poder de nomeação por aconselhamento e com a autorização do Senado, é essencial ter a maior confiança nos nomeados para os cargos de inspectores-gerais”, disse o Presidente norte-americano. “Isso deixou de acontecer em relação a este inspector-geral.”

A saída de Michael Atkinson só vai concretizar-se no início de Maio, ao fim dos 30 dias exigidos por lei a partir da notificação ao Congresso.

Para contornar essa restrição, e para impedir que o inspector-geral dos serviços secretos continue a exercer as suas funções até lá, a Casa Branca atribuiu uma licença remunerada a Atkinson até ao dia 3 de Maio.

"Vingança"

Os críticos do Presidente norte-americano, em particular os congressistas do Partido Democrata, acusam-no de tomar uma decisão “inconsciente” agravada pelo facto de surgir no auge de uma emergência nacional, provocada pela pandemia do novo coronavírus.

E dizem que o despedimento de Michael Atkinson é também uma mensagem para outros inspectores independentes que investigam actividades relacionadas com o sector da Defesa nos Estados Unidos – se não obedecerem às ordens do Presidente, serão afastados.

“No auge de uma emergência nacional, é inconsciente que o Presidente esteja, mais uma vez, a tentar sabotar a integridade da comunidade de serviços secretos ao despedir mais um responsável simplesmente por fazer o seu trabalho”, disse o senador Mark Warner, do Partido Democrata.

Adam Schiff, o líder da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, que se destacou nas investigações do processo de destituição do Presidente Trump, afirmou que o despedimento de Atkinson foi “uma vingança pela calada da noite”.

“É mais uma flagrante tentativa do Presidente para esvaziar a independência da comunidade de serviços secretos e para retaliar contra os que ousam denunciar as transgressões presidenciais”, disse o congressista do Partido Democrata.

Quando se encontram referências, nos jornais norte-americanos, à comunidade de serviços secretos, o termo aplica-se para descrever de forma muito particular 17 agências e departamentos, militares e civis. Do grupo fazem parte, por exemplo, a CIA (Central Intelligence Agency) e a divisão de serviços secretos do FBI (Federal Bureau of Investigation).

Denúncia “credível e preocupante"

Em Setembro do ano passado, Michael Atkinson recebeu uma denúncia de um agente da CIA sobre uma conversa telefónica entre o Presidente Trump e o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, que ocorrera em Julho.

O inspector-geral dos serviços secretos investigou a denúncia de que Trump tinha pressionado Zelensky a anunciar a abertura de investigações criminais sobre um adversário político (Joe Biden, do Partido Democrata). Dando crédito à denúncia, que considerou ser “credível e preocupante”, Michael Atkinson decidiu enviar o resultado das suas investigações ao Congresso, em cumprimento da lei.

Mas esse passo foi travado pelo então director nacional dos serviços secretos, Joseph Maguire, que insistiu em pedir uma orientação ao Departamento de Justiça sobre o que fazer, em vez de autorizar o envio da denúncia para o Congresso.

Depois de muita pressão, o caso acabou por chegar ao Congresso e foi decisivo para que o Partido Democrata pudesse justificar, perante a opinião pública, a abertura de um processo de impeachment contra o Presidente Trump.

Nomeado por Trump e confirmado no cargo em Maio de 2018, Michael Atkinson serviu sob as ordens do responsável pela comunidade de serviços secretos, Joseph Maguire, até Fevereiro.

Maguire, também ele escolhido por Trump para liderar a comunidade de serviços secretos de forma interina, em Agosto de 2019, foi despedido há menos de dois meses por causa de outro caso relacionado com o Presidente norte-americano.

A decisão de Trump foi anunciada depois de a especialista em eleições no gabinete de Joseph Maguire, Shelby Pierson, ter informado a Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes de que a Rússia estava a tomar medidas para favorecer o Presidente norte-americano nas próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos, marcadas para Novembro.

Para o lugar de Joseph Maguire, também como director interino, Donald Trump nomeou Richard Grenell, ex-embaixador dos Estados Unidos em Berlim e um forte apoiante do Presidente norte-americano.

O escolhido para exercer o cargo de forma permanente é o congressista do Partido Republicano John Ratcliffe, também ele um forte apoiante de Trump, e que terá ainda de ser confirmado pelo Senado numa audição que se prevê conflituosa. Ratcliffe fez parte da equipa de defesa do Presidente norte-americano durante o julgamento do processo de impeachment no Senado, que terminou com a absolvição de Trump com os votos da maioria do Partido Republicano à excepção do senador Mitt Romney.

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