Oxalá os bancos dessem “lucros avultados”

Seja nessa extraordinária mobilização para produzir ventiladores, seja na preservação de postos de trabalho, as empresas e os empresários serão actores cruciais no futuro próximo do país. Oxalá lucrem o máximo que puderem.

No debate sobre a renovação do estado de emergência, Rui Rio deixou no ar um aviso à altura da solenidade do momento. “Se a banca apresentar em 2020 e 2021 lucros avultados, esses lucros serão uma vergonha e ingratidão para com os portugueses”, disse.

Pouco importa saber se faz sentido que o líder de um partido tradicionalmente amigo da iniciativa privada tivesse escolhido aquele momento para demonizar os lucros de um dos seus sectores mais relevantes. Interessa, sim, recordar que todos ficaríamos muito felizes, e Rui Rio seguramente também, se a banca chegasse ao final deste ano com lucros. Seria sinal de que o investimento das empresas e o consumo das famílias estava em alta. 

Infelizmente, o aviso de Rio soa desnecessário. Todos estamos preparados para o aumento dos incumprimentos de empresas e famílias e o que devemos recear, sim, é o oposto de “lucros avultados”: é o regresso dos momentos de aflição que obrigaram os contribuintes a salvar o sector.

Claro que o aviso de Rui Rio implicava mais uma exigência ética do que um preconceito. Num momento de dificuldades seria inadmissível que a banca as aproveitasse para especular ou para esmifrar os contribuintes via comissões – como parece pode acontecer com as linhas de crédito garantidas pelo Estado às empresas.

Seria também incompreensível que os bancos se focassem em exclusivo na gestão nos dividendos e descurassem o serviço que podem prestar à economia e ao país. Mas, descontando eventuais tentações ou abusos, há um perigo nos avisos e nas exigências que se faz aos agentes económicos quando se lhes recomenda que deixem de ser o que são, entidades privadas focadas na eficiência, na concorrência e nos lucros. Numa época de crise como a que se desenha, é fundamental que as empresas sejam o que de facto são: agentes que produzem riqueza.

Vale a pena recordar que o dinamismo da economia privada deu um contributo decisivo para que Portugal vencesse o duro desafio do ajustamento e da troika. Foi a sua acção que elevou as exportações de 30% para 44% do PIB; que alimentou o emprego e as receitas fiscais. Neste momento em que o Estado reforçou o seu papel, faz sentido, como já aqui dissemos, que haja medidas para travar abusos de empresários.

Mas faz também sentido enaltecer o papel que podem e devem representar nestes dias difíceis. Seja nessa extraordinária mobilização para produzir ventiladores, seja na preservação de postos de trabalho, as empresas e os empresários serão actores cruciais no futuro próximo do país. Oxalá lucrem o máximo que puderem. Todos ficaremos a ganhar.

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