Demagogia em época de pandemia

A situação que enfrentamos no SAMS tem sido vergonhosamente explorada por interesses que nada têm a ver com a guerra que temos de ganhar à pandemia. Haverá tempo para o combate político sindical. Esse tempo não é hoje. Hoje, estamos em estado de emergência e cabe-nos fazer tudo, mesmo tudo, o que esteja ao nosso alcance para travar a cadeia de contágio.

O que se passou relativamente às acusações de que o SAMS tem sido alvo é absolutamente inaceitável no quadro que estamos a viver.

O SAMS vai, ou não, integrar a rede de apoio ao SNS? Bastaria um email ou um telefonema e ficariam a saber que sim, que manifestámos, em tempo, essa disponibilidade, bem como a da nossa capacidade de ventilação.

Ficariam também a saber que a redução da atividade programada no nosso hospital teve a ver exatamente com a preparação para essa eventualidade. Ficariam também a saber, porque, pelos vistos, não sabiam ou fingiram não saber, que só no dia 26 de março os hospitais privados poderiam vir a integrar a rede do SNS. Ficariam também a saber que o SAMS, o tal que queriam que o Governo requisitasse, trata, há mais de 12 anos, doentes do SNS na sua unidade de radioterapia. Ficariam também a saber que o encerramento da urgência do hospital foi determinado a 20 de março pela DGS, mas, como os profissionais “positivos” desempenham funções em vários serviços do hospital, este deveria ser higienizado. Ficariam também a saber que o encerramento do Centro Clínico de Lisboa foi uma decisão de gestão para proteger beneficiários, utentes e trabalhadores. Ficariam também a saber que, em 2019, o SAMS retirou ao SNS a pressão de 500.000 consultas, 12.500 cirurgias, 1.350.000 meios complementares de diagnóstico e terapêutica, 26.000 diárias de internamento e 20.000 tratamentos de radioterapia. Ficariam também a saber que, à exceção de uma parte da radioterapia, tudo custou zero ao SNS. Ficariam também a saber que é assim há décadas. Ficariam também a saber que os beneficiários do SAMS só têm acesso ao SNS, como qualquer cidadão, desde 2008.

E poderiam ficar a saber muito mais, se a demagogia não os cegasse.

Porque não vale tudo e porque se exige algum decoro, convém esclarecer vários aspetos. Desde logo, que as contribuições obrigatórias são entregues ao SAMS para serem transformadas em benefícios e não são para pagar salários, pelo que a atividade prestadora de cuidados de saúde tem de ser autossustentável. E só faz sentido se assim for. Aliás, nos últimos anos, o SAMS tem distribuído benefícios em valor superior ao das contribuições que recebe, o que acontece porque somos prestadores de cuidados de saúde. E somos o único subsistema que intervém diretamente na proteção do seu universo e que concretiza a sua ação através da prestação própria de serviços, de uma rede de entidades convencionadas e do regime de livre escolha, representando a prestação interna mais de 2/3 dos benefícios distribuídos.

O hospital do SAMS tem dos mais baixos índices de infeções associadas aos cuidados de saúde, consequência do empenho de todos e do cumprimento de procedimentos rigorosos. Ainda assim, porque nenhum de nós está imune, fomos surpreendidos por um surto de covid-19. O número crescente de colaboradores do hospital infetados pelo novo coronavírus exigiu medidas radicais, ainda que impopulares. Por isso, a suspensão da atividade afigurou-se como a melhor solução para proteger beneficiários, utentes e trabalhadores.

A situação que enfrentamos no SAMS tem sido vergonhosamente explorada por interesses que nada têm a ver com a guerra que temos de ganhar à pandemia. Haverá tempo para dirimir argumentos, em sede de contratação coletiva. Haverá tempo para o combate político sindical. Esse tempo não é hoje. Hoje, estamos em estado de emergência e cabe-nos fazer tudo, mesmo tudo, o que esteja ao nosso alcance para travar a cadeia de contágio.

A voracidade de alguns e a falta de escrúpulos de outros tornou-nos alvo da crítica fácil e da mentira. Será que quem fala do SAMS sabe que o SAMS nunca recebeu qualquer apoio do Estado português porque, mesmo quando manteve um acordo de opting-out, recebia metade do valor que era pago à ADSE por beneficiário? Será que quem aparece agora a falar do SAMS quer saber verdadeiramente qual tem sido o papel do SAMS desde o primeiro dia de 1976? Nós sabemos. E também sabemos que estamos perante uma lamentável campanha que não é mais do que uma tentativa de influenciar a negociação sindical. Decididamente, este não é o tempo.

Temos muitas batalhas para travar e uma guerra para ganhar. Proteger beneficiários, trabalhadores e utentes também é a nossa missão. Proteger os nossos serviços, cuja qualidade dos cuidados prestados se deve à excelência dos nossos profissionais.

Somos pela verdade. Não temos nada a esconder. Prestaremos todos os esclarecimentos a quem nos procurar e solicitaremos audiência à Comissão de Saúde para o efeito. Em época de pandemia, não pode haver demagogia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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