Covid-19 e prisões – o regresso ao confinamento solitário?

Medidas extemporâneas de libertação antecipada de reclusos, sem cuidar de analisar previamente o risco que estes representam para os seus próximos e para a comunidade em geral, podem aumentar extraordinariamente o problema de saúde pública que atualmente vivemos.

Nos finais do século XVIII, nos EUA, quando se estabeleciam as primeiras regras para o tratamento penitenciário, surgiu o modelo designado por “confinamento solitário”. O princípio subjacente a este modelo, em muito baseado na tradição religiosa dos Quakers, privilegiava o isolamento celular e a meditação inspirada nas leituras da Bíblia como fonte para a expiação da culpa. Esse modelo não deixou boas recordações, já que por foça do isolamento celular prolongado, muitos presos começaram a desenvolver perturbações mentais geralmente identificadas como “psicoses carcerais”. A solução então adotada foi substituir este regime pelo de “confinamento silencioso”, que impunha que os reclusos apenas estivessem isolados durante a noite na sua cela, mas pudessem estar juntos durante o dia no trabalho e nas refeições, mas em completo silêncio sem comunicarem com os seus companheiros de cárcere. Em ambos os casos, todavia, os reclusos tinham alojamento individual, consignando-se assim alguma privacidade ao cumprimento da sua pena.

O nosso sistema prisional desde há muito que “esqueceu” o princípio do alojamento individual, criando para o efeito lotações artificiais em muitas prisões, considerando que a área das celas, que é em média de oito metros quadrados, pode ser complementada pela medida do volume da mesma. Assim, mercê do pé direito geralmente muito alto que existe em muitos estabelecimentos prisionais, passou a ser possível alojar em formato de beliche de três até seis reclusos numa mesma cela, aumentando pois a lotação da respetiva prisão, mas mantendo a área da mesma rigorosamente igual.

Face ao atual problema gerado pela pandemia da covid-19, bom seria que as prisões pudessem ter os reclusos em confinamento solitário, mas tal não é possível nem praticável. Importante sim é não permitir contactos com o exterior além dos estritamente necessários, dando a guardas e funcionários os devidos apoios, pois sem estes profissionais a trabalhar de forma concertada o sistema prisional colapsará mais tarde ou mais cedo. Também aqui se impõe uma pedagogia do bom senso e medidas extemporâneas de libertação antecipada de reclusos, sem cuidar de analisar previamente o risco que estes representam para os seus próximos e para a comunidade em geral, podem aumentar extraordinariamente o problema de saúde pública que atualmente vivemos.

De facto, a generalidade dos delinquentes exibe um estilo de vida criminal personificado em atitudes e comportamentos antissociais e de risco, dos quais o mais frequente é o consumo de substâncias. Em muitos casos provêm de meios familiares e socioeconómicos disfuncionais, não raro encontrando na prisão um contexto de tratamento adequado dos seus problemas de saúde física e mental, totalmente grátis e disponível. Isso é uma parte do preço que temos todos de pagar por termos essas pessoas na prisão. Mas não temos que pagar por outras medidas que sejam tomadas com base em índices de reduzida fiabilidade como a idade dos reclusos ou o tempo de pena cumprido e sem uma correta avaliação do risco que os eventuais libertados representem. Sobretudo agora que estamos todos obrigados, ainda que temporariamente, ao confinamento solitário nas nossas próprias casas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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