A covid-19 e o cerco sanitário à banca

Do BE ao PSD, exige-se aos bancos que partilhem os prejuízos económicos da pandemia. Há razões para ter esperança, depois da forma como ameaçaram com despedimentos perante a redução de algumas comissões?

Vivemos, de facto, dias extraordinários. Esta semana, e ainda bem, assistimos àquilo a que chamaria cerco sanitário à banca. António Costa já tinha começado por dar o mote, ao defender que, com a pandemia da covid-19, “é a fase de serem os bancos a ajudar”, depois de no passado terem contado “com a comunidade nacional no suporte à sua actividade”, quando a crise financeira os atingiu. 

Na sequência desta pressão e da negociação com o Governo, surgiram as moratórias para pagamento das prestações da casa. Agora, o cerco aperta-se um pouco mais: “A banca deve muito aos portugueses. A banca não pode querer ganhar dinheiro com a crise. O seu objectivo deve ser lucro zero em 2020 e 2021. Se tiver lucros avultados, isso será uma vergonha e uma ingratidão”. Este discurso foi feito ontem na Assembleia da República, durante o debate sobre o prolongamento do estado de emergência em Portugal, e não veio nem de um deputado do PCP, nem do Bloco de Esquerda. O líder do PSD, Rui Rio, que há duas semanas optou por estar mudo e calado na sessão que aprovou a primeira declaração de emergência no Portugal democrático, subiu desta vez à tribuna e seguiu a linha de António Costa num apelo directo e claro à banca. Catarina Martins, a líder do Bloco de Esquerda, que interveio depois de Rio, acrescentaria apenas que os bancos deviam ser “chamados às suas responsabilidades e deviam proibir a distribuição de dividendos”.

Em Fevereiro, quando já se sentiam os primeiros efeitos da pandemia, o Parlamento tinha-se unido para limitar uma série de comissões bancárias que os deputados achavam ser um abuso (em 2019, as comissões bancárias permitiram aos principais bancos arrecadar mais de 1500 milhões de euros, mais 40 milhões de euros do que no ano anterior). Indignada, a Associação Portuguesa de Bancos veio alegar que os limites propostos (e aprovados) por BE, PAN, PCP, PS e PSD poderiam levar os bancos a encerrar mais balcões e a despedir trabalhadores. Ou seja, perante “uma condicionante à rentabilidade”, a única solução que a banca via era “reduzir ainda mais a estrutura de custos, designadamente com pessoal e rede de balcões”. É desta banca que estamos a falar.

Dias depois, após o decreto de estado de emergência, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Faria de Oliveira, garantia, a 25 de Março, que “a banca está a dizer ‘presente’ nesta hora difícil”, dando como exemplo as moratórias (que seriam aprovadas no dia seguinte em Conselho de Ministros), “disponibilização de linhas de crédito” e “isenção de várias comissões”. Veremos até onde vai esse voto de “presente”. E não vale enganar a opinião pública, anunciando “estender” ao crédito pessoal e automóvel a moratória criada pelo Governo para o crédito à habitação quando, na verdade, neste caso, não se trata de nenhuma mudança excepcional mas da normal relação banco/cliente com as regras que o banco quiser ditar.

Vivemos, de facto, dias extraordinários. E convém ter memória e estar atento.

Sugerir correcção
Comentar