Dia 13: Milhões de memórias ligam os netos aos avós

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Filha,

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Esta quarentena cansa e estou cheia de saudades vossas. Tenho medo de me tornar irrelevante na vida deles, sei que falamos e trocamos mensagens, mas não é a mesma coisa do que lhes ler um livro, com eles aninhados ao nosso colo, passar-lhes a mão pelo cabelo, rirmos juntos, em que uma diz mata e a outra diz esfola.

Preocupa-me, sobretudo, os mais pequeninos, porque já tiveram menos avó do que os outros — não sei se acontece com todos os avós, mas pressinto que acabamos por ficar com os mais velhos para que os bebés possam ter mais um bocadinho de mãe e pai. E agora, quando ia começar a compensá-los, aparece um raio de um vírus que estraga tudo.

Foi neste estado de espírito que me lembrei que um dos melhores presentes que vocês me deram foi um Frasco de Memórias, um frasco pintado, cheio de cartões com memórias que as gémeas tinham dos avós — a ida ao circo, na praia de Mira, o cheiro da almofada da avó, o dia em que as reguei de sapatos postos! Continua ao lado da banheira, e agora, mais do que nunca, tiro de lá pelo menos uma memória por dia, e é como se aqueles momentos voltassem em força, com todo o pacote de cheiros, cores e emoções.

Podiam aproveitar esta quarentena para me fazerem um novo Frasco de Memórias incluindo, desta vez, não só as memórias actualizadas e revistas das mais velhas, mas também as dos mais novos. Depois, deixa-me o frasco à porta, please, please, que já estou cansada de tanto “virtual”.

Fico à espera.

Beijinhos


Querida mãe,

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Nós também já estamos mesmo, mesmo com muitas saudades. As miúdas fartam-se de perguntar se podemos ir ter com a avó. Eu sei que elas sabem que estamos de quarentena, mas oiço nas suas perguntas a esperança de que tudo tenha mudado durante a noite e já se possa voltar à vida normal.

Não há nenhuma possibilidade no mundo de se tornar irrelevante na vida delas. Não só porque tem a relevância que tem na minha, mas também porque elas já são feitas de milhões de memórias vossas e nossas. Não há como desfazer isso, por mais anos que estivéssemos sem nos ver.

As memórias são mesmo uma coisa extraordinária, não são? Há alturas difíceis, em que são as memórias da minha infância que me sustentam. Em que sinto o poder de ter crescido com tantas coisas boas. A mãe deu-me esse seguro de vida a mim e agora dá-lhes também a eles. Sei que pode não ter achado a melhor ideia do mundo quando, aos 20 anos, lhe anunciei que me queria casar, mas fico mesmo contente de o ter feito aos 21 (não mo permitiu antes, lol), porque não imagino maior sorte para os meus filhos do que receberem tanto dos avós, e durante tantos anos.

E, também não é a quarentena que impede a criação de mais memórias, porque felizmente temos imensos meios de comunicação! Hoje jogamos outra vez à mímica pelo WhatsApp? Às 19h30? Fica combinado! E sim, deixamos um novo frasco, desinfectado, à porta de sua casa. É um óptimo programa para fazer com eles em casa!

Beijinhos!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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