Dia 12: Amamentar ou não amamentar até aos 2 anos?

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

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Hoje é dia de polémica. Acordei com vontade de implicar com alguém e lembrei-me de ti! É claro que podia implicar com o meu querido marido, mas tens de compreender que, neste momento, é ele que faz o jantar e não convém nada que se sinta tentado a envenenar-me.

Além do mais, podes também usar-me como saco virtual de boxe, que é para isso que as mães servem, à conta da garantia, mais ou menos eterna, de que o amor materno é incondicional.

Aqui vai: Nos últimos dias tenho ouvido muito falar de amamentação, a propósito das mães que contraíram o vírus e estão a dar de mamar, e retirei do baú dos tesourinhos deprimentes as discussões que tivemos as duas sobre dar de mamar para lá dos seis meses, mais coisa, menos coisa...

Quando te via amamentar a Marta, depois dessa idade, fazia-me imensa impressão. E, então, quando chegou ao 1 ano, ficava à beira de um ataque de nervos. Bem me esforçava para guardar para mim as minhas opiniões, e tinha tantas, mas acabava por não resistir a umas “bocas” insidiosas, até que — felizmente — um dia explodimos as duas e conversámos. A partir daí, não foi sempre fácil, mas foi melhor.

Reconheço que o meu prognóstico em relação à dependência excessiva que a Marta ficaria a ter de ti, por andar sempre contigo, por mamar durante tanto tempo, foi completamente ao lado. Provaste-me que quanto mais segura e vinculada à mãe está uma criança, mais independente e livre cresce.

Mas, apesar disso, continuo a desviar os olhos de uma mãe a amamentar uma criança mais velha, a arrepiar-me ver uma criança aproximar-se da mãe e a abrir-lhe a camisa, numa atitude de posse do seu corpo. E, sinto, talvez erradamente, que de alguma forma aquela criança se coloca entre a mãe e o pai, talvez até como uma “defesa” da mãe contra uma intimidade que naquele momento não deseja.

São assuntos difíceis, mas sei que fizeste um curso de amamentação, colaboraste num livro sobre amamentação e pensaste muito sobre este tema. Por isso a tua resposta vale para além da tua experiência própria. E, quero mesmo arrumar a cabeça sem deixar que a velhice e a quarentena me congelem os neurónios.

Até já,

Mãe


Eh lá!!!

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Mas tudo bem, dou corpo às balas, percebo que discutir com o marido com quem se está enclausurada numa casa possa não ser a melhor ideia!

É verdade, foi desafiante para nós, que estávamos muito habituadas a concordar em quase tudo relativamente aos miúdos, enfrentar um tema onde parecia que não conseguíamos encontrar um chão comum em que pudéssemos estar confortáveis com a opinião de cada uma!

Acho que essa reacção à amamentação — principalmente depois dos 6 meses — é muito normal na sociedade em que vivemos. Deixou de ser comum ver mães a dar de mamar, então depois dos 6 meses é raríssimo. E, como a mãe bem sabe, parti mais ou menos desse ponto: para mim, dar de mamar durante muito tempo era impensável, algo reservado a um grupo que estereotipei de “alternativo”.

Mas, quando estava grávida da Martinha e procurei ajuda para a amamentação (dado que com as gémeas tinha corrido mal e me senti tão pouco apoiada), conheci a Cristina Pincho, que é consultora de amamentação e uma grande especialista e apaixonada por esta área.

Fui a uma “consulta” a medo: não me apetecia nada falar com alguém que condenasse os biberões, me fizesse sentir mal se não quisesse dar de mamar ou se quisesse parar a dada altura. Mas, com a Cristina Pincho, percebi isto: não se trata de julgar uma escolha, mas apenas de verdadeiramente dar essa escolha. Porque há tantos mitos, tantas opiniões e tanta falta de apoio às mães que querem amamentar que, a maior parte, não está em condições de fazer uma escolha livre e informada. O objectivo não é converter as mães que não querem dar de mamar, é apenas apoiar as que querem, mas que sentem que não podem ou não conseguem. E apoiar e informar as que não querem, para que fiquem bem com essa decisão, sem culpa, como tantas vezes acontece.

A ideia da dependência das crianças como uma coisa “má”, tem sido muito transversal ao meu “percurso de maternidade”. Mas, o que aprendi foi que quanto mais segurança damos, mais eles crescem para fora de nós.

Às vezes parece-me que a sociedade demoniza as mães que estão muito próximas dos seus filhos, e que não escondem o prazer que têm nisso, como se fosse um “pecado” quererem adormecer com eles perto de si, quererem dar de mamar. Lutei muito contra esse estigma e precisei muito de racionalizar as coisas: li as recomendações da Organização Mundial de Saúde, que insiste na amamentação em exclusivo até aos 6 meses, e depois até aos 2 anos ou mais (e não, isto não é a recomendação para países sub-desenvolvidos, é para todos os bebés); li os estudos — que demonstram que não há desvantagens físicas ou psicológicas em dar de mamar até tão tarde, antes pelo contrário —; analisei trabalhos que tentavam estabelecer qual seria a idade natural de desmame, se não houvesse constrangimentos culturas (alguns, apontam para os 7 anos); e racionalizei que, por exemplo, deixamos uma criança usar a chucha pelo menos até aos 3-4 anos...

Feito tudo isto, tomei consciência de que não tinha que racionalizar nada, que aquilo que estava a fazer era a forma mais natural de alimentação possível, que a Marta crescia saudável e bem e que eu estava óptima, aproveitando esses momentos para estar com ela com calma. Percebi que a minha intimidade com o meu marido — e o seu à vontade com a nossa escolha de continuar a amamentar — era um problema que só a nós nos dizia respeito. Como escreve o pediatra espanhol Carlos Gonzalez, mesmo as mães que sentem que precisam dessa “defesa” em relação à intimidade, quem somos nós para dizer que não a devem usar?

De tudo isto, o que conclui foi que cada família deve fazer exactamente aquilo com que se sente confortável. Se odeia ter um mini-humano a puxar-lhe a camisola e a pedir-lhe leite, faça o desmame com toda a naturalidade, ou não dê de mamar. Mas se adora e se todas as partes envolvidas estão bem, então aproveitem. Sem medos e sem culpa.

Fico à espera da próxima provocação — tem razão, fazem bem à ansiedade.

Bj


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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