Aí está Corona, o primeiro filme da era covid-19

Realizado pelo canadiano de origem iraniana Mostafa Keshvari, põe sete pessoas presas num elevador, presas também pelo medo de contágio. Foi rodado em Fevereiro, quando a realidade actual da pandemia parecia ainda uma impossibilidade.

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Com salas de cinema fechadas e festivais cancelados ou adiados, o filme será muito provavelmente estreado em streaming Grandmuse Pictures

É expectável que nos próximos anos se multipliquem os filmes directa ou indirectamente ligados à pandemia. Todos eles, porém, chegarão depois. O filme zero, intitulado Corona, já foi rodado, está finalizado e pronto a estrear. O responsável é o realizador canadiano de origem iraniana Mostafa Keshvari, que teve a ideia para o filme, um plano-sequência de 63 minutos passado no interior de um elevador, quando, em Janeiro, começaram a chegar ao Canadá as notícias de um vírus mortal que grassava na China. “O medo é o vírus”, lê-se no trailer já divulgado.

Em entrevista ao New York Times, Keshvari classifica a obra como um thriller através do qual se promove “um estudo da sociedade, das pessoas e das suas escolhas morais”. Quando imaginou o enredo, o foco não estava na letalidade e no caos social e económico global que a pandemia desencadeou, até porque o novo coronavírus se encontrava então circunscrito ao território chinês. O que lhe interessava explorar eram as reacções que as notícias de um vírus perigoso, mas distante, provocavam na população.

Mostafa Keshvari, 33 anos e, além de realizador, também responsável pela associação BC Minorities in Film & TV Society, que apoia jovens artistas oriundos de minorias culturais canadianas, testemunhou a rápida multiplicação de incidentes racistas envolvendo a comunidade de origem asiática, cujas lojas, restaurantes e empresas registaram um decréscimo de clientela da ordem dos 70%. Paradoxalmente, conta, havia a sensação generalizada de que “nenhum branco” poderia contrair o novo coronavírus — mas, obviamente, “o vírus não escolhe as suas vítimas”.

No ambiente claustrofóbico de um elevador, sete personagens são obrigadas a lidar com o receio de uma infecção mortal e com os seus próprios preconceitos – entre elas, uma mulher de origem asiática que há-de tossir no momento menos adequado, dado que o elevador pára e as luzes se desligam logo a seguir; um nazi de meia-idade em cadeira de rodas e com uma suástica tatuada na testa; um casal de origem europeia à espera de bebé. O realizador pensou que, se juntasse todas aquelas pessoas e as aprisionasse num espaço pequeno, enquanto lidavam com uma ameaça invisível, a verdadeira natureza de cada uma delas acabaria por revelar-se.

Rodado em Fevereiro ao longo de três dias e contabilizando 70 takes até chegar ao plano-sequência desejado, Corona é um filme de baixo orçamento idealizado num momento em que o presente de pandemia que vivemos ainda parecia uma impossibilidade.

Quando deu o filme por terminado, Mostafa Keshvari, que tem trabalhado tanto em ficção como em cinema documental, passando pela animação, e cuja obra se debruça sobre diversas questões relacionadas com os direitos humanos – a retórica anti-imigração, a condição feminina, os casamentos combinados envolvendo crianças —, pensava seguir o processo habitual e enviá-lo para vários festivais  (I Ran e Music Box, duas das suas curtas-metragens, passaram pelo Festival de Cannes e Unmasked, a sua primeira longa, foi premiado em vários festivais mundo fora). Entretanto, o estado de emergência foi declarado na sua cidade, Vancouver, uma das mais afectadas no Canadá pelo vírus, e os festivais, como sabemos, foram sendo cancelados ou adiados.

Afinal, o vírus revelou-se o contrário de um fenómeno passageiro que não deixa grandes marcas. E Mostafa Keshvari viu-se com o primeiro filme a reflectir sobre o novo coronavírus, criado no preciso momento em que este começava a galgar fronteiras para atingir os cinco continentes, entre as mãos. O seu destino próximo, diz o realizador, será muito provavelmente o streaming. Por agora, temos o trailer. O filme zero chegará dentro de momentos.

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