INEM com menos 600 a 700 chamadas em alguns dias

Número de pessoas que se recusam a ir ao hospital depois de avaliadas pelas equipas do INEM subiu. Médica alerta para situações de doentes agudos que não podem deixar de procurar ajuda e os doentes crónicos têm de continuar a medicação.

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Adriano Miranda

Não é o único factor a ter em causa, mas a covid-19 está a ajudar a diminuir o volume de chamadas que diariamente chega ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). António Táboas, médico deste organismo diz que “tem havido uma diminuição gradual do número de chamadas ao longo do mês do Março, e em alguns dias há menos 600 a 700 chamadas, comparando com o que acontecia no início do mês ou com Janeiro”. A médica Helena Canhão, do serviço de Reumatologia do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, alerta para casos de doença aguda que não podem deixar de ir ao hospital e os doentes crónicos não podem interromper a medicação, apesar da crise do coronavírus SARS-CoV-2.

As contas de António Táboas são fáceis de fazer: dos dias habituais em que ao INEM chegavam 4000 chamadas ou mais, passou-se para uma média que ronda as 3400, 3500 chamadas. Ou menos. “Domingo foi o dia com menos chamadas de emergência, 2995”, contabiliza. O médico aponta as possíveis razões para esta tendência actual, com o receio de ir aos hospitais, por causa da covid-19, entre elas. “O que vemos é que aquilo que eram doentes ligeiros, que ao mínimo sintoma ligavam o 112 e pretendiam ir ao hospital, agora não o fazem. Também há uma maior percentagem de pessoas que, após o envio de meios para o local, se recusa a ir ao hospital. Neste caso não tenho números absolutos, mas há uma diminuição”, diz.

Nem tudo pode ser atribuído à covid-19, refere. Para a diminuição do número de chamadas contribui a existência de menos acidentes de viação (porque as pessoas circulam menos), menos acidentes de trabalho (muitos locais estão fechados) e nas escolas, que estão encerradas. Por outro lado, o médico diz não ter a percepção de que “globalmente” tenham aumentado os acidentes domésticos. Já na recusa em ir ao hospital, após a avaliação dos médicos do INEM, há que ter também em conta o facto de muitos portugueses estarem em casa e, por isso, mais disponíveis para acompanhar no domicílio situações de doença que, noutras circunstâncias, seriam remetidas para os hospitais, explica.

As informações prestadas pelo médico do INEM são complementadas pelos dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, diariamente, monitoriza o número de episódios de urgência nos hospitais nacionais. Olhando para os dados é fácil ver a queda abrupta destes casos: de 18.926 episódios de urgência registados a 30 de Janeiro passou-se, dois meses depois, a 30 de Março, para apenas 8011. No domingo, dia 29, o tal dia que António Táboas diz ter sido o mais tranquilo para os telefones do INEM, o número registado pelo sistema do SNS é de 6770 episódios de emergência.

Os números vão ao encontro das preocupações da médica Helena Canhão, que se depara com as repercussões da covid-19 mesmo naqueles que não têm a doença. “Este é um momento difícil para dar apoio a toda a gente, e também aos doentes que já existiam antes da covid-19 e que continuam a existir. Todos temos de nos adaptar às circunstâncias, porque as nossas vidas não são iguais ao que eram há três semanas. Noto que no caso dos doentes agudos (aqueles que adoecem agora), eles chegam aos hospitais num estado muito mais grave do que chegavam antes. E no caso dos doentes crónicos, as descompensações são maiores”, afirma.

Os sinais de alerta não podem, por isso, ser descurados, nem num caso nem no outro, insiste. Até porque, nos casos em que existe uma doença crónica - como na situação do rapaz de 14 anos que sofria de psoríase grave e morreu no Hospital de Santa Maria da Feira, após ter sido confirmado que tinha covid-19 - “o vírus aumenta a susceptibilidade para infecções bacterianas”, diz. Quanto mais depressa se actuar, melhor, mas não é isso que está a acontecer, reforça. “Estão a acontecer casos mais graves em que as pessoas ficam em casa e não levam os filhos ao hospital. Antes disto, se um pai ou uma mãe tinha uma criança com uma diarreia durante dois ou três dias, a desidratar, levava-a às urgências. Agora têm medo”, diz.

A médica do Curry Cabral deixa um alerta: “Os doentes agudos, que adoecem agora, tenham ou não covid-19, têm de ser vistos na mesma, obviamente com todos os cuidados. E as pessoas com diabetes, hipertensão, tratamentos para doenças reumáticas ou mentais têm de manter a medicação. Se descompensam é muito mais difícil depois”, diz.

Linha 1400 para medicação

No caso dos doentes crónicos, as indicações das autoridades de Saúde são para que possam receber a medicação em casa, para não incorrerem em riscos acrescidos de contraírem a doença que, segundo os dados desta terça-feira, infectou 7443 pessoas em Portugal e causou 160 mortes no país. Esta segunda-feira, a Associação Nacional de Farmácias (ANF) informou que já está em funcionamento uma linha telefónica gratuita, através do número 1400, que pode agilizar esse processo, uma vez que, refere o comunicado, “há diversas modalidades de entregas ao domicílio garantidas em todo o país” e elas podem ser conhecidas através desta linha que funciona no continente e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Embora a prioridade seja dada aos doentes crónicos e pessoas com mais de 60 anos, qualquer pessoa que precise pode ligar para o 1400 e ficar a saber se a medicação que lhe foi receitada está disponível na farmácia mais próxima de casa e, em caso de necessidade, se esta tem um serviço de entregas - seja através de meios próprios ou de uma parceria com serviços de apoio de autarquias ou instituições de solidariedade social. Nos casos em que nenhuma dessas opções de entrega esteja disponível, a ANF fez um protocolo com os CTT que também permite a entrega na habitação dos medicamentos, mas mediante um custo.

Já no caso da medicação que, habitualmente, é apenas dispensada pelas farmácias hospitalares está também a trabalhar-se na possibilidade destes medicamentos poderem ser entregues através das farmácias de rua, facilitando o acesso de quem deles precisa. Helena Canhão diz que esta modalidade já está a ser testada em algumas farmácias, mas o funcionamento integrado desta solução ainda não foi posto em prática, segundo apurou o PÚBLICO.

E sobre a medicação, a médica expressa outra preocupação, directamente relacionada com os mais velhos. “As família sempre tiveram um papel de organização da medicação dos idosos, que muitas vezes baralham os medicamentos e os trocam. Habitualmente havia o acompanhamento dos filhos, que iam lá a casa e faziam essa organização. Agora, por não poderem estar com os pais ou os avós, há uma limitação do controlo dessas situações e até da detecção de sintomas. Temos de nos reorganizar todos para prestar mais assistência a estes casos. As consultas por telefone com médicos assistentes ou de especialidade são importantes, mas a comunicação com a família, seja pelo telefone ou pelas redes sociais, também”, diz.

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