Neil Young abre os seus arquivos e dá-nos 60 anos de música para combater o isolamento

Para apoiar quem lida actualmente com o isolamento imposto pelo novo coronavírus, o músico tornou gratuito o acesso à plataforma em que compilou tudo o que criou desde 1963. Enquanto isso, vai divulgando curtos concertos gravados no seu rancho no Colorado.

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Se a vida corresse como normalmente, Neil Young estaria em digressão com os Crazy Horse, mas dada a pandemia encontramo-lo a filmar curtas actuações em casa NUNO FERREIRA SANTOS

Há uma semana Bob Dylan mergulhou nos seus arquivos e retirou de lá um inédito para oferecer ao mundo preso em casa pela pandemia em curso​, Murder most foul, um épico de 16 minutos com o assassinato de JFK em pano de fundo. Neil Young, que nisto de arquivos é menos contido, não se ficou por uma canção. O autor de Like a hurricane decidiu escancarar gratuitamente o seu monumental museu digital, alojado em neilyoungarchives.com. São horas e horas de singles, álbuns, concertos e filmes acumulados desde o início da década de 1960 até ao presente. Um acervo tão imenso que, provavelmente, esta quarentena não será suficiente para abarcar tudo. Mas valerá a pena tentar.

Inaugurado em Dezembro de 2017, o site foi a concretização de um projecto de longuíssima data de Neil Young. No início dos anos 1980, já referia em entrevistas ter criado uma equipa para organizar todo o material que reunira ao longo da sua vida artística. Vinte anos depois, ia sendo noticiada como iminente a concretização do projecto, o que era, inevitavelmente, alvo de correcção pouco depois – não, ainda não era tempo. No final de 2017 tornou-se realidade por fim: Neil Young disponibilizava online toda a música de toda a sua carreira, qualquer que fosse o formato em que tivesse sido registada, desde o primeiro single com os Squires, a banda surf-rock que formou ainda no Canadá, em 1963.

De acesso gratuito nos primeiros seis meses online, passou a partir de 30 de Junho de 2018 a exigir uma subscrição paga. Agora, Neil Young abriu o acesso a todos como forma de contribuir para atenuar os efeitos do isolamento a que grande parte da população mundial está sujeita.

“Penso que é algo que as pessoas devem ouvir. Devem ouvir aquilo a que soa o artista em todas as circunstâncias”. A frase foi proferida por Neil Young em 1975, numa entrevista conduzida por Cameron Crowe, e surgiu quando Crowe abordou Tonight’s the Night, álbum negríssimo, álbum de catarse, alimentada a tequila e cocaína, da morte do seu guitarrista, Danny Whitten, e de um dos seus roadies, Bruce Berry, ambos vítimas de overdose de heroína. A frase de Neil Young, dita num contexto específico, pode também ilustrar porque se empenhou tanto na criação dos seus arquivos. E aplica-se também na perfeição àquilo que o temos visto a fazer nestes tempos de coronavírus.

Chama-lhes Fireside Sessions e a primeira sessão foi exibida dia 20 de Março. Na segunda vemos Neil Young tocar a guitarra enquanto a neve cai no seu rancho no Colorado, dobrado sobre o piano numa das salas da casa ou frente à lareira, de harmónica nos lábios. Intercaladas com as canções, surgem curtas cenas caseiras – a mulher, a actriz Darryl Hannah, a realizadora dos vídeos, a brincar na neve, Neil Young a lavar as mãos enquanto diz para a câmara: “Os nossos patrocinadores, amigos, água e sabão”.

Neste preciso momento, se a vida tivesse corrido o seu rumo normal, Young estaria em digressão com os Crazy Horse. Impossibilitado de o fazer, tem gravado curtos concertos caseiros de meia hora onde toca clássicos como Sugar Mountain ou Tell me why, raridades como Little wing, do álbum Hawkes & Doves – a Rolling Stone assinala que Young não a tocava ao vivo desde 1977 – ou favoritas dos fãs como Vampire blues, de On the Beach.

Até ao momento, Young divulgou online dois destes concertos caseiros. Promete continuar a fazê-los enquanto a necessidade de isolamento se mantiver. Entre 60 anos de arquivos e as novidades vindas da casa no Colorado, teremos muito com que entreter o tempo.

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