As nossas vidas não voltarão a ser as mesmas!

Testemunho de Margarida Gaspar de Matos, psicóloga clínica e da saúde, membro do Grupo da Promoção e Prevenção na European Federation of Psychologists’ Associations, pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, e professora catedrática da Universidade de Lisboa. “A covid-19 entrou devagarinho nas nossas vidas e em pouco tempo colou-se-nos como uma segunda pele e passou a fazer parte da nossa identidade social e pessoal. Somos todos chamados a reflectir sobre esta circunstância, e sobre o modo como melhor a vamos superar.”

A mensagem apanhou-me de surpresa numas bombas de gasolina a meio do Alentejo. Da faculdade pediam-me para ficar em casa 14 dias por ter tido um contacto suspeito, numa aula. Dois pensamentos cruzados: tinha acabado de estar 48 horas em convívio com a família próxima e agora era um potencial foco de infecção. Segundo pensamento, nessa manhã tinha olhado para a minha agenda a abarrotar e pensado onde teria eu a cabeça ao aceitar tantos compromissos. E agora, como ia poder ficar em casa?

Tudo muito rápido.

A universidade fechou e ficámos todos em casa, em teletrabalho. Os organizadores de todos os eventos públicos onde era suposto eu falar ou ajudar no debate foram cancelados. Ao choque inicial junta-se a sensação de “despropósito”, eu preocupada com uma agenda pesada “da maior importância”, e de repente tudo se cancela.

Tudo muito rápido.

Vou à farmácia comprar um termómetro. Entra um de cada vez e guarda-se uma distância de segurança. Não há termómetros, nem álcool. Admiro a postura das pessoas, bem-dispostas e organizadas! Bom de ver!

Vou ao supermercado. Entra um de cada vez, aplicam gel nas mãos e dão luvas. As pessoas fazem compras comedidas de bens necessários, sem agitação. Os funcionários estão organizados e animados e os clientes também. Bom de ver!

Os profissionais de saúde da linha hospitalar e dos cuidados de saúde primários e linhas de apoio organizam-se, os da informação, os da limpeza, os da manutenção, distribuição e venda de produtos de primeira necessidade. Bom de ver!

A nós, restantes cidadãos, cabe fazer a nossa parte: ficar em casa para não empecilhar.

A covid-19 entrou devagarinho nas nossas vidas e em pouco tempo colou-se-nos como uma segunda pele e passou a fazer parte da nossa identidade social e pessoal. Somos todos chamados a reflectir sobre esta circunstância, e sobre o modo como melhor a vamos superar. Só podemos fazer isso todos juntos!

Tudo muito rápido.

Ajudou-me pensar que a minha equipa e os meus alunos precisam de continuar a sentir-se relevantes e que, parcialmente, isso está na minha mão.

Aderi a um regime de trabalho online: aulas por Zoom, supervisão de estudantes e de investigadores por WhatsApp e email, reuniões por Zoom ou Skype para todo o mundo, sempre a partir de casa. 

É tempo de manter rotinas, mas também de inovar. Falei com a equipa (somos quase todos psicólogos e psicoterapeutas) e decidimos oferecer apoio psicológico gratuito online a partir do Facebook do [projecto] Aventura Social. Organizámos o protocolo e uma escala. Aproveitem-nos. Estamos a actuar a partir de casa.

E, nos intervalos do teletrabalho, contacto amigos e familiares, coisa que normalmente fazia com enorme pressa, a tecnologia permite. Talvez aproveite para fazer algumas arrumaçõezinhas (hum... talvez não). Talvez aproveite para me inovar tocando piano, escrevendo, desenhando, cozinhando, dançando, organizando um esquema de exercício físico “caseiro”, vendo uns filmes, para além do noticiário.

A sociedade civil organizou-se de modo exemplar e temos de nos felicitar por isso. Está na nossa mão conter a pandemia. Temos neste momento a informação de que 80% dos casos são leves (e passarão rapidamente se as pessoas ficarem em casa). Fiquem em casa!

Caso se sintam a esmorecer de ânimo, liguem-nos para o site da equipa, ou liguem a várias redes de apoio psicológico que a Ordem dos Psicólogos Portugueses e as faculdades de Psicologia estão a providenciar.

As pessoas e os seus comportamentos são a nossa ciência. Os psicólogos têm uma enorme missão a cumprir, não nos cuidados intensivos, onde outros profissionais são mais úteis, mas em três cenários muito concretos:

  • no apoio a medidas preventivas, a nível das pessoas e dos governos;
  • nos primeiros socorros psicológicos, às pessoas que sintam que estão à beira da falência em termos de bem-estar;
  • no apoio a pessoas com perturbações mentais anteriores.

Vamos a isto!

Façam a vossa parte! Se podem, fiquem em casa e ajudem a partir de casa.

Este período histórico vai ficar-nos para a vida, ainda que neste momento possamos não ter a distância suficiente para assim ver as coisas.

As nossas vidas não voltarão a ser as mesmas!

Por todas as pessoas que sofrem e vão sofrer, saibamos aproveitar esta experiência para tornar as nossas vidas mais flexíveis, mais solidárias e mais rápidas a proteger-se.

Vamos a isto!

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