COVID-19 e a responsabilidade social dos media

Os tempos são difíceis também para as empresas jornalísticas. Gerir o negócio, sem perder de vista o rigor informativo, é o desafio.

O sector dos media é apenas mais um dos essenciais que enfrenta problemas. Não imagino o que estarão a ser estes dias para quem assume cargos de decisão. Das administrações aos departamentos editorias. Há, porém, coisas que me é difícil aceitar, mesmo neste contexto. Partilho dois exemplos, com os quais me tenho deparado nas últimas semanas: impossibilidade de aceder a todas as notícias online relacionadas com a COVID-19 e um derivar para um certo jornalismo “justiceiro”. Não excluindo outras situações, detenho-me sobretudo no contexto dos media regionais.

Quando alguns decidem levantar as paywalls (conteúdos acessíveis mediante pagamento) de notícias sobre o coronavírus, há quem faça o contrário. Quando há quem redobre os cuidados na cobertura noticiosa, há quem opte por um registo do tipo “caça ao homem”, com a publicação quase diária de fotografias de pessoas a circular. Neste último caso, há que vá para espaços interditos e até revele alguma incoerência na abordagem, ao permitir a identificação de umas pessoas e de outras não (no caso, adultos).

Em relação ao primeiro ponto, parece-me que se deve considerar o interesse público. Sobretudo quando estamos a falar de notícias cujo teor tem ou pode vir a ter consequência na vida das pessoas. Os media de proximidade assumem um papel importantíssimo na comunicação às populações, pelo que possibilitar parte desse processo apenas a assinantes e em plena pandemia, parece-me uma decisão desajustada à sua missão social. Quanto ao segundo ponto, bem sei que se podem mobilizar o interesse público e o direito à imagem. Tudo discutível. Contudo, neste caso tendo a considerar que se deve ponderar sobre a identificação das pessoas. Digo-o a pensar nas potenciais reacções mais inflamadas dos populares, que podem ir de “meros” insultos nas redes sociais a comportamentos ainda mais censuráveis.

O estado de emergência não suspendeu as liberdades de imprensa e de informação, precisamente porque elas são necessárias. Emergência pelo acesso a informação credível e emergência no combate a tudo aquilo que a contamina, como os boatos e os rumores, enfim, a desinformação. Emergência também para a intervenção do Estado no apoio aos media, que já estão a sentir os efeitos desta crise. Mais do que nunca deverá “chegar-se à frente” para, juntamente com representantes do sector, associações e Sindicato dos Jornalistas, encontrarem vias de apoio. Precisamente para garantir aos cidadãos o acesso a informação verificada e plural.

Defender que se deve ler no jornal, ouvir na rádio, ver na televisão ou fazer isso tudo online, sob o pretexto do rigor e da verdade, ao mesmo tempo que se fecham conteúdos, é estar a pensar mais no negócio do que nos tempos excepcionais que a sociedade vive. Reclamar contra a problemática crescente de desinformação, enquanto se pratica um jornalismo que procura o clic, a partilha e o comentário nas redes sociais, é estar a entrar no mesmo território do “inimigo”. O do apelo às emoções, que alimentam o populismo.

PS: “Não vás pelo ‘covidizer’. Procura fontes credíveis” é uma de várias frases que começaram a circular na última semana nas redes sociais. Uma iniciativa de sensibilização para a problemática dos boatos, da mentira, da desinformação, neste contexto de pandemia. Lançada pelo Re/media.Lab, tem conteúdos para uso livre nas páginas de Facebook, Instagram e Twitter.

 

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