A aldeia olímpica é uma das peças do puzzle Tóquio 2021

A disponibilidade de alojamento das comitivas é um dos muitos problemas provocados pelo adiamento dos Jogos Olímpicos para o próximo ano.

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O Tokyo Big Sight estava reservado para receber a imprensa e as televisões durante os Jogos Reuters/ISSEI KATO

A estimativa já estava mais ou menos feita (podia variar consoante o número de atletas qualificados) e a vizinhança já estava apalavrada. Na aldeia olímpica de Tóquio, a comitiva portuguesa iria ocupar 59 apartamentos, com um total de 134 camas, mais um espaço comum para a missão, um apartamento para funcionar como escritório, dois apartamentos para servirem como espaço clínico e uma zona de armazém. E o desejo era ocupar um prédio com a comitiva espanhola, que é geralmente bastante maior que a portuguesa, embora a organização local quisesse juntar Portugal e Grécia como vizinhos. Tudo isto iria ser afinado nas próximas semanas e a aldeia olímpica tinha inauguração prevista para 14 de Julho, dez dias antes da cerimónia de abertura.

Mas, com o adiamento dos Jogos Olímpicos de 2020 para uma data a definir em 2021 por causa da covid-19, ficou tudo no ar. E não é garantido que a aldeia olímpica, construída para receber todas as comitivas durante os 17 dias dos Jogos (e os 13 dias dos Paralímpicos), esteja disponível no próximo ano. Depois de servir como alojamento temporário a cerca de 11 mil atletas, mais treinadores e outros elementos de mais de 200 comitivas, a aldeia olímpica será reconvertida, tal como tem acontecido em Jogos passados, num complexo habitacional com vista para a baía de Tóquio e muitos dos apartamentos já estão vendidos, alguns deles por valores a rondar 1,5 milhões de dólares. E assim, o que seria um grande negócio imobiliário e um exemplo de bom legado olímpico, pode bem ser um potencial problema, não apenas para os Jogos, mas para o consórcio formado por 11 das maiores imobiliárias do Japão.

Assim que os últimos inquilinos olímpicos abandonarem a aldeia (no caso, serão os membros das comitivas participantes nos Jogos Paralímpicos), inicia-se o processo de reconversão em complexo habitacional com 5632 apartamentos (4145 para venda, 1487 para arrendamento) distribuídos por 23 edifícios. Cerca de um quarto das unidades já estarão vendidas e não está previsto que ninguém se mude para os apartamentos olímpicos antes de 2023, mas o adiamento dos Jogos também altera o cronograma deste negócio imobiliário. Os próximos tempos dirão se os futuros donos dos apartamentos estão dispostos a esperar, ou não, ou se a procura será tão elevada como se previa.

“Primeira prioridade”

Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), não dá nada por garantido. “Essa é uma de milhares de perguntas e o nosso grupo de trabalho vai tentar resolver. Vamos fazer tudo para que haja uma aldeia olímpica. É o coração dos Jogos. Não vos posso dizer como está a situação. Tenho noção daquilo que estamos a viver e gostaria muito de ter uma aldeia olímpica tradicional. Todos os que passaram por uma sabem que é uma experiência olímpica verdadeira”, afirma o presidente do COI. Juan Antonio Samaranch, filho do antigo presidente do COI com o mesmo nome e “vice” do organismo, considera mesmo que garantir a disponibilidade dos alojamentos deve ser “a primeira prioridade”.

A questão da disponibilidade não se coloca apenas em relação à aldeia olímpica, mas a todas as infraestruturas desportivas e não desportivas que vão servir os Jogos — apenas quatro são estruturas temporárias. Muitas destes espaços são alugados pela organização a privados e os calendários já estão definidos há muito — o exemplo mais citado pela imprensa internacional é o Tokyo Big Sight, um centro de congressos (o maior da capital japonesa) que iria receber a imprensa internacional e que é altamente procurado para acolher eventos em grande escala.

Se o destino da aldeia olímpica de Tóquio ainda está por definir, já é possível pelo menos avaliar o que aconteceu à do Rio de Janeiro, que recebeu os Jogos Olímpicos de 2016. Situado na Barra da Tijuca, o complexo habitacional foi rebaptizado de “Ilha Pura” e tinha disponíveis nada menos do que 3600 apartamentos. Segundo uma reportagem realizada pela Globo, em Agosto do ano passado apenas tinham sido vendidos 512. Em 2016, e de acordo com o que indicava um artigo da agência Reuters, só tinham sido comercializados 240, um número que fica bem abaixo das expectativas, sendo que alguns dos primeiros compradores acabaram por voltar atrás no negócio — a crise económica e o ambiente “cidade fantasma” eram as principais razões apontadas.

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