Michael Sorkin (1948-2020): um arquitecto no coração da cidade

Urbanista, professor e crítico, um “grande pensador” do espaço urbano, morreu em Manhattan, aos 71 anos. Tal como o italiano Vittorio Gregotti, foi vitimado pela covid-19.

Foto
THE AGE/GETTY IMAGES

A imprensa norte-americana chama-lhe “uma mente brilhante”, e lamenta a perda de um dos grandes nomes da arquitectura das últimas quatro décadas: Michael David Sorkin morreu na passada quinta-feira, em Manhattan, vitimado pela covid-19, segundo informou a sua mulher, Joan Copjec, citada pelo The New York Times.

Arquitecto, urbanista, professor e crítico, Michael Sorkin “era muitas coisas: um escritor supremamente dotado, astuto e cáustico, [que] escreveu com grande força moral sobre as grandes ideias”, mas também sobre “como é viver o quotidiano nas megacidades, mostrando os novos problemas que essa realidade acarreta”, escreveu o crítico do New York Times Michael Kimmelman.

A morte de Sorkin foi também lamentada, em Portugal, pela Secção Regional do Sul da Ordem dos Arquitectos, que, numa nota de homenagem no seu site, o classifica como “um dos pensadores, urbanistas e arquitectos mais importante do mundo”.

Michael Sorkin chegou a ter prevista uma participação na primeira Trienal de Arquitectura de Lisboa, em 2007, onde deveria intervir na conferência internacional O Coração da Cidade, mas acabaria por não poder comparecer devido a doença da mãe, recorda ao PÚBLICO o arquitecto José Mateus.

O presidente da Trienal lamenta também o desaparecimento de “um grande pensador e questionador, sempre empenhado em reflectir, debater e difundir as múltiplas possibilidades para a cidade se tornar melhor”.

José Mateus vê em Sorkin “uma mente inquieta e crítica, que vivia a arquitectura nas suas múltiplas dimensões”, quer como “projectista, quer como professor, escritor, curador, além de dirigente de revistas e instituições”, defendendo sempre as suas ideias “de forma intensa e muitas vezes assumindo a atitude de um activista”.

Entre Nova Iorque e a China

Radicado em Nova Iorque desde 1973, Michael Sorkin fundou e dirigiu um atelier de arquitectura com o seu nome, o Sorkin Studio, no bairro de TriBeCa, a partir do qual projectou obras e planos urbanísticos um pouco para todo o mundo, mas com um enfoque especial na Big Apple, e também na China.

Desenhou, nas décadas de 1990 e 2000, os planos urbanísticos da marginal de Brooklyn e do Sul de Manhattan, e também do campus da Universidade de Chicago, por exemplo; e fê-lo também para várias cidades chinesas, como Xiangon, Xi’na, Jiujiang ou Shenzhen.

“A sua principal atenção foi sempre a cidade, que olhou com uma profundidade, para além do óbvio, através das suas múltiplas camadas, e sempre numa óptica de sustentabilidade, social, ambiental, cultural, etc.”, salienta o presidente da Trienal de Lisboa.

A prática da arquitectura e do urbanismo foi, contudo, apenas uma parte da intensa actividade de Sorkin, que durante a década de 1980 firmou a sua assinatura e a sua voz crítica no semanário The Village Voice, além de colaborações regulares com o New York Times e o The Wall Street Journal, e noutros títulos como o Architectural Record e The Nation.

“Concordássemos ou não com Michael Sorkin, isso era secundário”, escreveu o crítico do Chicago Tribune Blair Kamin: “Ele era um grande activista crítico – destemido, sem problemas em desafiar o conhecimento ou o poder instituídos, e, pela sua inteligência e pelo seu discernimento, alguém que se lia com prazer.”

Paralelamente à actividade crítica, publicou duas dezenas de livros sobre história e planeamento urbano, não esquecendo tópicos como a ecologia e a sustentabilidade, que definiu como o principal campo de actividade tanto no seu atelier como no Terraform Center for Advanced Urban Research (e da sua publicação UR), que fundou em 2005 e dirigiu.

Entre os seus livros, José Mateus cita a reflexão sobre a cidade patente em Variations on a Theme Park (1992) e em Twenty Minutes in Manhattan (2009), “onde o seu olhar revela as inúmeras dimensões da cidade de Nova Iorque, que ele diariamente atravessava no percurso entre o bairro em que vivia, Greenwich Village, e o de TriBeCa, onde trabalhava”. Outros títulos de referência na bibliografia de Michael Sorkin: Pamphlet Architecture 22: Other Plans (2002), Starting from Zero: Reconstructing Downtown New York (2003) e All Over The Map: Writing on Buildings and Cities (2011).

Nascido em Washington, D.C., em 2 de Agosto de 1948, Michael Sorkin formou-se na Universidade de Chicago em 1970, tendo feito o mestrado em Arquitectura no MIT (Massachussetts Institute of Technology), e tendo também passado pela Columbia University, em Nova Iorque.

Em paralelo com a prática de arquitecto e urbanista, leccionou na Columbia e também na Universidade de Harvard, dirigiu a pós-graduação do curso de Design Urbano no City College de Nova Iorque e deu igualmente aulas em escolas no Michigan, em Chicago e no Nebraska. Foi ainda director do Instituto de Urbanismo da Academia de Belas Artes de Viena, na Áustria.

Ao longo da sua carreira, e entre outras distinções, Sorkin recebeu, em 2013, o prémio Design Mind atribuído pelo Smithsonian Design Museum, e, em 2015, foi tornado membro do comité de Arquitectura, Planeamento e Design da Fundação John Simon Guggenheim.

“Quando Sorkin desenhava um edifício, estava sempre a desenhar parte de uma cidade”, sintetizou agora ao New York Times Andrei Vovk, arquitecto que trabalhou no seu atelier entre 1992 e 2001.

O desaparecimemto de Michael Sorkin sucede, na galeria dos nomes grandes da arquitectura contemporânea, ao do italiano Vittorio Gregotti (1927-2020), que no dia 15 de Março foi também vitimado pela covid-19.

Sugerir correcção