Municípios de Lisboa criticam Governo por permitir cobrança de taxas do subsolo

Medida estava prevista no Orçamento do Estado de 2018, mas nunca foi regulamentada nem aplicada. Câmaras da região de Lisboa estimam que as autarquias e os clientes finais têm sido prejudicados em “muitos milhões” de euros.

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rs ricardo silva

Os dez municípios da região de Lisboa que integram a Amagás (Associação de Municípios para o Gás) não compreendem por que é que os dois últimos governos nunca regulamentaram ou aplicaram a norma do Orçamento do Estado de 2018 que previa que as operadoras de gás, comunicações e electricidade não pudessem fazer repercutir nos seus clientes as taxas que pagam às câmaras pela utilização do subsolo.

Apesar de mais de dois anos de reuniões, ofícios e outras insistências, os municípios ainda não conseguiram que a tutela cumpra o que foi aprovado, em Novembro de 2018, na Assembleia da República. Pelos cálculos dos responsáveis da Amagás, este impasse já fez com que as diferentes operadoras tenham “cobrado” milhões de euros aos seus clientes finais, o que, à luz do Orçamento do Estado de 2018, não deveriam poder fazer, num processo que arrancou ainda em 2017. 

De acordo com dados divulgados, em 2018, pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), cada família ou cliente paga mais 103 euros por ano nas suas facturas deste sector pelo facto das operadoras ainda não estarem impedidas de fazer repercutir estas taxas nos clientes finais.

No final do ano passado e no início do corrente ano, a direcção da Amagás ainda voltou a insistir com os diferentes grupos e comissões parlamentares e com a nova Secretaria de Estado da Descentralização e da Administração Local. Mas não teve sucesso e o assunto continua por resolver. O PÚBLICO também tentou, nas últimas cinco semanas, obter esclarecimentos da assessoria de imprensa do Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, mas, apesar das insistências, nunca teve resposta do gabinete da ministra Alexandra Leitão.

“Foi com grande surpresa que, pela terceira vez, vimos incumprida uma deliberação da Assembleia da República”, escreveu, em Novembro passado, o então presidente do conselho directivo da Amagás, em ofícios enviados ao Governo e às comissões parlamentares respectivas. José António Oliveira, que é também vice-presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, sublinha que as propostas da antiga secretaria de Estado das Autarquias Locais “nada alteram” e que a própria Amagás se disponibilizou junto do Governo “para apresentar uma proposta de legislação de modo a dar resposta ao Orçamento de Estado”. Essa proposta da Amagás foi mesmo entregue à tutela, mas não foi aplicada na proposta e na versão final do Orçamento de Estado de 2020 (OE 2020).

A presidência da Amagás funciona de forma rotativa, por períodos de dois anos e, em Janeiro passado, Dora Pereira, vereadora da Câmara de Alenquer, assumiu a liderança do conselho directivo da Associação de Municípios para o Gás.

“Em 2019, a Amagás foi ouvida pelos grupos parlamentares e pela Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local. No entanto, fomos informados de que as propostas do OE 2020 que se encontravam em discussão não traziam alterações quanto ao fim da repercussão no consumidor final, quer da Taxa Municipal de Direito de Passagem (TMDP), quer da Taxa de Ocupação do Subsolo (TOS)”, lamenta Dora Pereira, em declarações ao PÚBLICO, vincando que, “mais uma vez, preocupados com a manutenção desta situação que consideramos lesiva dos interesses dos nossos munícipes, enviámos novos ofícios a manifestar a nossa surpresa perante esta decisão”, salienta.

Os ofícios foram enviados, no final de Janeiro, ao Governo, aos diferentes grupos parlamentares e à Comissão Parlamentar de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local. No documento, a que o PÚBLICO teve acesso, o conselho directivo da Amagás relembra as reuniões que manteve com esta comissão e com o Governo no final de 2019 e volta a manifestar a sua “surpresa” pelo facto do Orçamento de Estado para 2020 “não trazer alterações quanto ao fim da repercussão no consumidor final do valor cobrado pelos municípios aos operadores” no âmbito da Taxa de Ocupação do Subsolo.

"Grandes operadoras de subsolo"

O assunto foi, também, discutido em recente reunião da Câmara de Vila Franca de Xira, com Alberto Mesquita, presidente da edilidade, em resposta a vereadores da oposição, a considerar que esta é uma daquelas coisas que não se entende, porque a norma para proibir as operadoras de fazerem repercutir os valores das taxas nos seus clientes esteve no Orçamento de Estado e deixou de estar, sem que fosse aplicada.

“Todas estas taxas não se deveriam reflectir nos clientes finais, mas até à data essa deliberação da Assembleia da República (final de 2017) nunca foi regulamentada. Estava no Orçamento do Estado de 2018, em 2019 caiu e, para 2020, foi entendimento dos municípios que deveria constar, porque a Assembleia da República cumpriu, o governo é que não cumpriu. Não foi regulamentado. Pedimos audiências ao senhor ministro, no âmbito da Amagás, fomos recebidos por todas as entidades, mas no Ministério das Finanças nunca conseguimos ser recebidos. Sabemos que a base da questão está ali”, admite José António Oliveira que, em representação da Câmara de Vila Franca, presidiu à Amagás nos anos de 2018 e 2019.

“Sabemos que estamos a lidar com as grandes operadoras do subsolo. O grande objectivo é, também, disciplinar e procurar que haja a obrigatoriedade de só fazer a abertura de uma vala, em que se meta lá tudo o que são tubos e infra-estruturas e se fechem as valas”, defendeu José António Oliveira, considerando que, na realidade actual, “os municípios estão a ser lesados em muitos milhões de euros pela utilização indevida do subsolo. Não somos donos do nosso território. Basta ver os relatórios da Entidade Reguladora para perceber isso”, sublinhou.

O autarca do PS acrescentou, ainda, que não entende por que é esta norma que deveria proibir a repercussão das taxas de subsolo nos clientes finais está há quase três anos para ser aplicada. “A Assembleia da República fez o seu trabalho e, depois, essa norma do Orçamento de Estado de 2018 nunca foi executada, através de portaria. Não sabemos porquê”, lamentou. “É uma batalha de muitos anos, mas havemos de vencê-la”, acrescentou Alberto Mesquita.

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