Coronavírus: hospitais distribuem equipamento a conta-gotas

Enfermeiros contam como lhes tem chegado o equipamento de protecção. O material aparece mas a muito custo, e por isso falam de racionalização.

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Bastonário das Ordens dos Enfermeiros, Médicos e Farmacêuticos dizem que lhes continuam a chegar relatos de falta de equipamento de protecção individual. Reuters/LINDSEY WASSON

Os três bastonários das ordens dos Médicos, Farmacêuticos e Enfermeiros, depois de o primeiro-ministro, António Costa, ter dito que até ao momento não houve falta de material, decidiram escrever-lhe uma carta conjunta onde pedem para aumentar a protecção aos profissionais de saúde. Os bastonários alegam que continuam a receber denúncias de falta de luvas, máscaras, fatos de protecção e desinfectantes no terreno.

Mas afinal quem tem razão?

Na quarta-feira e no âmbito da visita do primeiro-ministro, em conferência de imprensa, Fernando Maltez, director do serviço de infecciologia do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, garantiu que não há falta de equipamento de protecção individual. “Não tivemos, até à data, falta de equipamento de protecção individual”, disse para quem quisesse ouvir com toda a certeza. Mas acrescentou, logo a seguir a esta afirmação, que não se deve “confundir a falta de equipamento com a racionalização dos equipamentos”, os quais “devem ser usados de acordo com as necessidades”.

Verdade. Nunca faltou no Curry Cabral, mas na semana passada as equipas de enfermagem foram avisadas que tinham de fazer uma gestão muito rigorosa do material e que se faltasse alguma coisa teriam de improvisar.

As notícias de que aumentavam cada vez mais os casos de profissionais infectados com o coronavírus lançaram o pânico.

O relato de um enfermeiro deste hospital confirma o que disse Fernando Maltez: “Não, nunca faltou, mas houve esse receio e por isso a disponibilidade do material era feita a conta- gotas. Actualmente estão é a racionar os equipamentos de protecção individual e é sugerido que se use mais tempo para evitar o desperdício”, sublinha um enfermeiro, que diz que dá para ter folgas e descansar porque, por enquanto, não há muitos doentes.

Mas o que é afinal racionar? A melhor explicação que conseguimos foi de uma enfermeira Chefe de um hospital da zona da Grande Lisboa que não é uma das unidades de primeira linha para o combate ao coronavírus, mas trata doentes infectados nos seus serviços.

“Tinha doentes suspeitos e que aguardavam pelos resultados. Mas tinham de ser tratados, medicados e os meus enfermeiros precisavam de equipamento de protecção, nomeadamente máscaras. Pedi ao armazém 50 máscaras. Não tive resposta. Liguei, disseram que não podiam dar. Falei com o chefe acima de mim. Não obtive resposta. Tive de enviar mail à administração a explicar a situação e só aí houve autorização para me darem as máscaras”, conta sublinhando que só lhe deram 20. Voltou a ligar e disseram que no dia seguinte lhe arranjavam mais dez.

“Este tem sido o meu dia-a-dia. Passo horas e horas a tentar agilizar o equipamento que a equipa precisa. Não peço material só porque sim. Pedi material para proteger os profissionais de Saúde”, contou, sublinhando que no seu hospital terá cerca de 14 profissionais de saúde infectados.

Para um turno de oito horas esta enfermeira-chefe disponibiliza duas máscaras. Mas só se forem das que considera indicadas: as FFP2, que têm um respirador. “São as que protegem o profissional de saúde e o doente ao mesmo tempo”, explicou, sublinhando que a máscara cirúrgica apenas protege o outro e não quem a está a usar.

Esta enfermeira assume que no início desta pandemia houve situações de desvio de material. “Num dia desapareceram do meu serviço 40 frascos de desinfectante. Quem foi? Não sei. Naquela altura até podem ter sido os familiares dos doentes”, afirmou.

Segundo esta profissional de saúde, a falta de material é algo constante nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Agora fala-se de falta de máscaras, luvas e fatos. Pois, antes da covid-19 já havia e continua a existir falta de caixotes do lixo, por exemplo, ou de serviços de limpeza para prevenir as infecções”, desabafa.

No Hospital distrital de Santarém, o primeiro caso confirmado de infecção com coronavírus  foi de uma médica internista. Aconteceu há uma semana. Não se sabe como se infectou, mas levou a que vários médicos, doentes, enfermeiros e outros profissionais de saúde tivessem de ficar de quarentena.

De acordo com a mesma enfermeira, também em Santarém o material é racionado. “Não se pode dizer que não há. Há é pouco e tem de ser usado mais tempo. Há falta de máscaras FFP2 que são as recomendadas para esta situação. Na falta destas usam-se as máscaras cirúrgicas. Também há poucas protecções para os pés e pernas”, explicou a enfermeira, sublinhando que, actualmente, estão a fazer turnos de 12 horas, mas as folgas estão a ser cumpridas para já.

“Se os médicos e outros profissionais de saúde estão a ficar infectados, como esperam tratar os doentes”, questionou, sublinhando que sem protecção disponível e adequada mais profissionais de saúde vão ficar infectados. “Há pouco, por isso temos de acautelar é que não falte mesmo”.

No Hospital do Barreiro, “actualmente há equipamento, mas desaparece rápido, porque há cada vez mais casos suspeitos”, explica uma enfermeira. “O problema é que na primeira triagem (onde se faz a selecção de doentes com sintomas de corona e com outros sintomas) apenas há mascaras cirúrgicas e devia, talvez, existir logo outro equipamento. As máscaras FFP2 são apenas para usar noutro patamar da triagem, no terceiro, em que são vistos os doentes já com suspeitas de covid-19”, diz. 

E dá um exemplo: “Quando se tira um doente de uma ambulância e ele não vem referenciado como doente com suspeita de covid-19, quando o tiramos para as nossas macas podemos estar logo a ser contaminados”, explicou, sublinhando que, nesta fase, não é suposto usar a máscara FFP2 e o restante equipamento de protecção. Concluindo: “Há equipamento mas só para ser usado em determinadas circunstâncias”, diz.

No Centro Materno-Infantil do Norte (CMIN), no Porto, a enfermeira Helena Mota descreve um cenário de tranquilidade. “Para já está tudo tranquilo. Há profissionais de saúde infectados e de quarentena, mas houve reposição de material, nomeadamente de máscaras, pelo que não há quaisquer falhas a relatar”, adiantou aquela profissional. Até agora, no CMIN, não houve nenhum caso de grávidas infectadas com a covid-19, mas, segundo aquela enfermeira generalista, “se acontecer, o bloco está completamente preparado: há uma sala específica para receber essas doentes infectadas, dotada de todo o material necessário”.

A grande questão continua a ser se quando de facto existir uma afluência muito maior o equipamento chega. E esses picos são imprevisíveis. Por exemplo, esta quinta-feira, até às 16 horas, no hospital de São José, em Lisboa, estava tudo calmo e o material parecia não faltar. Mas, após esta hora, houve uma maior afluência de doentes com sintomas suspeitos de covid-19, e, segundo relatou ao PÚBLICO um profissional deste hospital, o equipamento para proteger o pescoço e a protecção para os pés entraram em ruptura.

Um médico do Hospital do Litoral Alentejano, contou ao PÚBLICO, que por enquanto tem estado tudo muito calmo, uma vez que é a região do país que menos casos tem (30 confirmados neste momento, números de hoje). Não têm faltado materiais (desinfectantes, máscaras cirúrgicas), à excepção de testes de Covid

Não há testes em número suficiente para testar todos os doentes (têm tido direito a 20 ou 30 por dia), houve alguns que tiveram de ficar à espera para serem testados

Libertaram parte do piso da ortopedia para uma unidade covid, onde têm tido três suspeitos da doença.

As urgências têm estado praticamente vazias, uma vez que as falsas urgências registaram redução da procura.

Passaram a operar só doentes urgentes e oncológicos, até para não contaminarem tudo e para libertarem ventiladores, uma vez que qualquer doente é um potencial portador de covid- 19.

Há cerca de uma semana conselho de administração enviou uma directiva aos trabalhadores a recomendar-lhes que evitassem expor o hospital nas redes sociais (tipo publicarem fotos) para não alarmarem a população.

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