Perdão de dívida?

Se os países membros da UE não se entendem a propósito da dívida, e se continuam a atuar com base no pressuposto de que o mundo será igual passado o pico da crise, a sensação de inutilidade aumenta, a par da desconfiança que geram no cidadão.

A intervenção do ministro holandês chocou-me mas não me surpreendeu. Saúdo o primeiro-ministro português pela resposta. Frontal, direta, sem mi-mi-mi.

A atuação da União Europeia tem sido dúbia. Desde o início da crise que a UE tem sido uma força de travão, e não de motivação, na aplicação das medidas restritivas que se impunham face ao cenário que se antevia ainda em Janeiro. O mecanismo de aquisição conjunta, a par da guerra subterrânea na aquisição de suprimentos e equipamentos médicos, é um bom exemplo. A UE atuou como se não tivesse visto os sinais e quando deixaram de ser sinais, para ser uma realidade epidémica, absolutamente descoordenada, titubeou, e assim continua.

Com a declaração do ministro holandês e os resultados (ou a falta deles) da cimeira da UE, há feridas que ficam abertas. Um copo partido, mesmo que cuidadosamente colado, nunca será o mesmo copo. O abandono a que foi votada a Itália mostrou um “salve-se quem puder” que não se coaduna com o espírito de solidariedade que se esperava duma união.

A capacidade de sermos solidários e assumir responsabilidades coletivas é essencial numa pandemia e a UE demite-se dessa solidariedade. Obriga a colocar a questão: se não consegue ser útil ao cidadão europeu, neste momento de crise em que os body bags se amontoam, de pouco servirá no futuro cheio de incertezas e incógnitas em termos económicos, com notórios reflexos na parte social, que se avizinha. Se os países membros da UE não se entendem a propósito da dívida, e se continuam a atuar com base no pressuposto de que o mundo será igual passado o pico da crise, a sensação de inutilidade aumenta, a par da desconfiança que geram no cidadão.

A solidariedade é um valor descartável. Esta é a indicação que foi dada ao cidadão. Esta é uma indicação do que os países mais frágeis economicamente e periféricos podem esperar.

Em Cabo Verde, os impactos são inimagináveis em termos de emprego, mas serão ainda maiores se não conseguirmos dar resposta aos milhares que vivem do dia a dia. Uma quarentena obrigatória significa que vendedeiras, lavadores de carros, etc., têm que sair da rua, o que coloca dramaticamente em causa a sua subsistência diária e pode inviabilizar o seu confinamento. Se não houver respostas ou soluções imediatas, num horizonte próximo poderemos ter o caos social, com todas as suas implicações.

Tardámos como muitos em restringir viagens muito por força da nossa dependência do turismo e dos que acreditavam que a tempestade ia passar rapidamente, mas não temos a margem de manobra dos países europeus na tomada de medidas, nem podemos imitar os timings das fases que foram sendo implementadas em Portugal. Somos meio milhão. Em caso de transmissão comunitária descontrolada, em várias ilhas, os augúrios não são bons. Teremos de inventar recursos e confiar na resiliência e capacidade de djunta mon que sempre nos caracterizou.

Quando a postura da UE relativamente aos seus próprios membros é a que foi divulgada e se intui dos resultados da cimeira, que apoios para o enfrentamento da pandemia se adivinham para pequenos países como Cabo Verde? Países que não podem nem almejar entrar na guerra para aquisição de máscaras ou ventiladores? Qual será a posição da UE no que toca ao perdão da dívida dos países mais pobres?

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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