Dia 7: Das coisas boas de ser avó é ter bebés, sem uma gravidez

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação infantil. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidade, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida mãe,

Está de pijama? Só vejo pessoas nas redes sociais a dizer que é fundamental vestirmo-nos e maquilharmo-nos para nos sentirmos bem, mas nunca gostei de me maquilhar, nem particularmente de vestir! Finalmente há uma situação social que me permite passar o dia de pijama e estão a tentar fazer-me sentir culpada!? Nem pensar!

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Enfim, depois deste pequeno desabafo podemos ir ao que interessa... Estive a fazer álbuns — de pijama, obviamente — e encontrei umas fotografias de mim, grávida das gémeas. As fotografias têm o perigo de guardar só os momentos bons, suscitar as memórias doces, e disfarçar as coisas difíceis. A minha barriga gigante e o meu sorriso durante aquele frame escondem o enjoo sinistro que me perseguiu 24 horas sobre 24 horas, durante nove meses.

Aconteceu há uma eternidade, mas lembro-me como se fosse hoje do choque quando o teste deu positivo. Antes de engravidar, tinha a certeza absoluta que quando chegasse o dia de lhe dizer que ia ser avó, o ia fazer de uma forma super planeada, que envolvesse a ecografia ou roupas de bebé... Foi a primeira constatação que muito pouco na gravidez ia ser como eu imaginava!

Fiz o teste às 4 da manhã (lol) e Deus sabe o esforço de esperar até uma hora minimamente aceitável para lhe telefonar a contar. A sua reacção surpreendeu-me! Ficou contente, sim, mas também... angustiada? Foi mais um momento que me mostrou que tanto se esconde atrás do “estado de graça”, como insistem em rotular à gravidez. O que lhe passou pela cabeça?

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Ana, vai-te vestir!!

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Foram anos a dizer a mesma coisa. Sempre detestaste as manhãs, desde bebé, e arrancar-te da cama para a escola era um sacrifício — para ti, mas mais ainda para mim (digo eu!). Lembro-me do desespero que era obrigar-te a vestir: mal começava a calçar-te a meia do pé esquerdo, voava a meia do pé direito, e quando conseguia enfiar-te a camisola, tiravas a saia. Adiante.

Se calhar, é porque estas “imagens” se fixam na nossa memória que depois temos dificuldade em olhar para os nossos filhos como adultos, acreditando que são capazes de dar conta de um “recado” tão difícil como o de uma gravidez que, naquela manhã em que (de pijama) me contaste que estavas à espera de bebé, reagi com angústia.

Para dizer a verdade, surpreendeu-me porque adoro ser mãe e queria muito que também o fosses, mas fiquei subitamente consciente de que dava tudo para te por a criança nos braços, sem que tivesses de passar pelo pesadelo dos enjoos e do parto. Porque, se há coisa que não tinha, era uma visão romântica do assunto, o que pensando bem foi uma sorte, porque pelo menos poupei-te aquelas frases com que tanta gente apunhala as pobres grávidas que se atrevem a queixar-se, do género, “Mas não é desejado?” ou aquele pseudo consolo do “Deixá-la, é por um bem maior.” O que é que uma coisa tem a ver com a outra?

Desejar, amar um filho, não é sinónimo de querer suportar um mal-estar permanente, que tolda o pensamento e nos deixa sem chão, nem tão pouco um parto sem epidural. Não sei porque é que as pessoas confundem tudo, mesmo aquelas que tiveram gravidezes difíceis, mas deve haver uma explicação psicológica profunda para aquele estado de negação.

Seja como for, a verdade é que nessa tua primeira gravidez, percebi, com espanto, que o medicamento que te receitaram para os enjoos era exactamente o mesmo que tanto eu, como a minha mãe, tínhamos tomado — em mais de 50 anos a indústria farmacêutica não conseguira arranjar melhor. Decididamente, só pode estar dominada por homens, ou por mulheres que nunca sofreram de náuseas severas.

Suspiro de alívio. Acabo de tomar consciência de que (mais) uma das coisas boas de ser avó, é ter bebés, sem uma gravidez. Afinal de contas, deste-me tu, o que sonhei dar-te a ti. Obrigada!

E com isto, quem vai vestir o pijama sou eu.

Até amanhã,

Mãe


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.
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