O emprego não precisa de uma morte medicamente assistida

Portugal precisa, de imediato, de um sólido e ágil Plano de Salvaguarda do Emprego, com tutela política e direcção executiva na esfera do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

António Costa tem razão na estratégia: “É preciso salvar empregos e impedir que as empresas encerrem.” Mas o primeiro-ministro não tem razão na táctica: “Vão ser criadas linhas de crédito para manter postos de trabalho.”

Ora, a guerra está perdida quando a táctica não bate certo com a estratégia. (Clausewitz explica porquê.)

Abrir linhas de crédito com garantia de Estado para acudir a necessidades de tesouraria das empresas constitui, em tese, uma boa medida. Introduz, em tese, liquidez nas empresas e permite, em tese, que estas mantenham a actividade, comprem matéria-prima, solvam os seus compromissos financeiros de curto prazo e paguem salários.

E, se pagam salários, em tese, mantêm empregos. É uma boa medida, em tese, para ajudar a resolver as dificuldades da oferta. O problema é que, com o país em shutdown, não há procura. Ora, sem procura não há emprego que resista. Nem teses.

E como é que se resolve o problema da procura? Assegurando os rendimentos? Sim. E como é que se asseguram os rendimentos? Salvando os empregos? Claro. E como é que se salvam os empregos? Endividando as empresas para pagar salários? Não.

Acresce a isto que as outras medidas já anunciadas pelo Governo são por si insuficientes para aquele efeito, a começar, desde logo, pelo chamado lay-off simplificado. Não é preciso o Nobel da Economia para saber que as empresas em “situação de crise empresarial” muito em breve excederão as que cabem nos requisitos previstos na lei, os quais basicamente obedecem ao princípio “afunda-te primeiro e levanta o braço depois”.

Isto é, todas são seguramente medidas bem-intencionadas, mas que não bastam às empresas nem sustentam o emprego. Por isso mesmo foram já consideradas pouco satisfatórias pelos parceiros sociais, os quais, aliás, se puseram de acordo (com excepção da CGTP) quando subscreveram (17/3/2020), no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social, uma Declaração na qual recomendam ao Governo a “execução das medidas compensatórias de natureza económica e social que se revelem mais ajustadas à preservação e viabilização das empresas e dos empregos”.

As empresas não precisam de cuidados paliativos nem os empregos de mortes medicamente assistidas. Pelo contrário.

Portugal precisa, de imediato, de um sólido e ágil Plano de Salvaguarda do Emprego (PSE), com tutela política e direcção executiva na esfera do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) e que tenha como objectivo principal o abrandamento da inevitável subida da taxa de desemprego causada pela contracção da economia no sentido de impedir que aquela atinja valores de dois dígitos no final do 1.º semestre do ano (isto é, à saída da esperada primeira vaga da pandemia covid-19).

O eixo estratégico do PSE deverá ser a instante reconfiguração das políticas activas de emprego e, em especial, das medidas de apoio à contratação, convertendo-as em disruptivas medidas de apoio à manutenção do emprego​, sucedendo-se à criação líquida de emprego a manutenção do nível de emprego como objectivo político fundamental.

A chave do PSE estará, pois, na inovação, na flexibilidade e na adaptabilidade que suscitem a capacidade de antecipação contracíclica da execução das políticas activas de emprego/medidas de apoio à manutenção do emprego.

O financiamento do PSE deverá mobilizar, numa primeira linha, as verbas inscritas no orçamento do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), incluindo grande parte daquelas inicialmente previstas para a formação profissional, atendendo, desde logo, à suspensão da actividade formativa (o sistema previdencial da segurança social transfere em 2020 para o orçamento do IEFP mais de €640 milhões para políticas activas de emprego e formação profissional). Numa segunda linha, o PSE deverá contar com uma realocação de fundos europeus inscritos no PT2020 alinhada com a prioridade da manutenção do nível de emprego pelas empresas e, numa terceira linha, o PSE deverá ser financiado no quadro da decisão europeia de flexibilização das regras do pacto de estabilidade e crescimento, o qual, convém lembrar, sempre assumiu na sua letra as orientações para o emprego como um elemento estratégico das políticas orçamentais.

A urgente aprovação do PSE exigirá do Governo português e, em particular, do MTSSS, uma rápida articulação com as instituições europeias em torno das matérias dos fundos europeus, da concorrência, dos auxílios de Estado e da selectividade das medidas, admitindo-se, desde logo, a possibilidade de exclusão do âmbito do PSE de alguns sectores de actividade económica com expectativa de criação imediata de postos de trabalho, tal como acontece, por exemplo, com as áreas da saúde, da logística e do digital.

Como diz, e bem, o primeiro-ministro António Costa, “é preciso aguentar as coisas o melhor possível pelo menos até Junho, quando haverá dados mais sólidos sobre o futuro. Até lá, o objectivo é não destruir empresas, empregos e suportar o rendimento das famílias”.

Pois bem, é este o nosso contributo.

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